Está bastante bagunçada a discussão brasileira sobre a Lei de Segurança Nacional (LSN).

Tem gente que a usa adoidado (o governo) e tem gente que a usa com um pouco mais de parcimônia (o STF).

Tem gente querendo derrubá-la inteira (o PSDB) e outros que só querem derrubar alguns artigos (um grupo de seis juristas renomados).

É possível imaginar o que virá daí?

Qualquer raciocínio precisa partir do fato de que o Supremo acionou a LSN mais de uma vez nos últimos tempos, para embasar o chamado “inquérito dos atos antidemocráticos” e para decretar a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira.

Isso significa que o tribunal viu na LSN a ferramenta necessária para conter quem clama por intervenção militar, novo AI-5 e outros tipos de ação autoritária.

Como Jair Bolsonaro e seus apoiadores continuam fazendo ameaças de acionamento das Forças Armadas (“o meu Exército”, como diz o presidente) cada vez que ficam sem argumentos para justificar o desastre que é o governo, é improvável que o STF decida declarar a inconstitucionalidade da LSN em algum momento próximo. Isso reduziria as defesas da democracia contra aqueles que não gostam dela.

Chamemos de paradoxo ou de justiça poética: o fato é que a lei editada em 1983 pelo general-presidente João Batista Figueiredo acabou se transformando em anteparo contra aqueles que sentem nostalgia pelos tempos da ditadura militar.

E a proposta de derrubar apenas alguns artigos da LSN, tem maiores chances de prosperar?

Essa intervenção cirúrgica mira o inciso primeiro do artigo 22 e o artigo 26 da lei.

O primeiro proíbe fazer em público a propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social (a pena é de 1 a 4 anos de detenção).

O segundo proíbe caluniar ou difamar os presidentes dos Poderes, ferindo sua reputação (pena de 1 a 4 anos de reclusão).

Os juristas pedem que a tal “propaganda de processos para alterar a ordem pública” só seja punida quando trouxer perigo real às instituições democráticas. Isso protegeria a liberdade de expressão: não basta falar sobre golpe ou revolução, é preciso agir e incitar pessoas a concretizá-los.

Essa, na verdade, é uma interpretação do artigo 22 consagrada no STF. Já escrevi sobre isso neste espaço. Ao longo dos anos, o tribunal estabeleceu na jurisprudência que apenas

lesões reais ou potenciais à segurança nacional e à ordem política podem ser enquadradas na LSN. Neste momento, portanto, a tarefa seria tornar essa interpretação mais explícita.

O caso do artigo 26 é diferente. Os juristas sugerem que ele seja cortado da lei, pois “inverte a relação de primazia do institucional sobre o pessoal”, ou seja, põe a preocupação com a honra dos agentes públicos acima da preocupação com o funcionamento das instituições.

O ministro da Justiça André Mendonça vem usando o artigo 26 a torto e a direito contra críticos de Bolsonaro. Chargistas, colunistas de jornal, influenciadores digitais, comentaristas de rádio – é grande a lista de pessoas que usaram palavras fortes contra o presidente e por isso respondem a um processo com base na LSN. Esse é um fato novo. Nenhum outro governo, desde 1988, havia agido dessa forma.

É uma aberração. Qualquer brasileiro que entender que foi alvo de calúnia ou difamação pode abrir um processo com base no Código Penal. Isso vale também para o presidente, e deveria bastar. Mobilizar o Ministério da Justiça contra críticos e ameaçá-los com uma pena de prisão mais dura que a da legislação comum é tentativa de intimidação. Não há outro nome.

Mas isso não significa que o STF vá derrubar o artigo. Afinal, ele também é invocado no inquérito dos atos antidemocráticos, instaurado pelo ministro Dias Toffoli e conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes. Serve de base para investigações contra bolsonaristas que “atingiram a honorabilidade” dos ministros do tribunal.

O mandado de prisão contra o deputado Daniel Silveira não menciona o famigerado artigo. Mas é claro o incômodo do ministro Alexandre de Moraes, que assina o documento, com a linguagem utilizada por Silveira para falar dos integrantes da corte. Expressões como “cambada de imbecis” parecem ter, para ele, o mesmo peso que as ameaças concretas de violência feitas em vídeo pelo deputado.

Assim, não é certo que a sugestão dos juristas seja aceita pelo Supremo. Como Bolsonaro, os ministros parecem dispostos a usar a lei criada na ditadura para proteger a própria honra, e não apenas a democracia. Será uma lástima se essa for a escolha do STF.