Em 1939, num texto em homenagem ao recém-falecido Sigmund Freud, o poeta inglês W. H. Auden escreveu sobre o criador da psicanálise: “para nós, ele já não é uma pessoa/ mas todo um clima de opinião”.

Adoro esse conceito do “clima de opinião”. Em certas épocas ou lugares, realmente há ideias que são como o ar que as pessoas respiram. 

Três acontecimentos dos últimos dias revelaram com clareza o “clima de opinião” que impera no governo Bolsonaro.

No fim de semana, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi flagrado batendo perna em um shopping de Manaus. Quando alguém chamou sua atenção para o fato de estar sem máscara, ele reagiu com sarcasmo: “Onde é que compra?” 

Depois disso, o ministro-chefe da Casa Civil Luiz Eduardo Ramos disse, em um evento, que tomou “escondido” a vacina contra a Covid-19. Ele tentou desconversar mais tarde, alegando que “escondido” queria dizer apenas “como um cidadão comum”. Não convenceu. A frase original tem toda a pinta de ato falho (olha Freud aí de novo), um daqueles momentos em que o sujeito, sem querer, deixa escapar uma verdade. Bolsonaro não gosta de ver seus subordinados mostrando preocupação com essa frescura do coronavírus. Ramos, portanto, se vacinou na surdina. 

Finalmente, o ministro da Economia Paulo Guedes enfileirou preconceitos e barbaridades em uma frase curta, sem saber que a fala estava sendo transmitida ao vivo: “O chinês inventou o vírus, e a vacina dele é menos efetiva que a do americano.” 

Guedes ofendeu um dos principais fornecedores de vacinas ao Brasil, repetindo a história de que os chineses “criaram” a Covid-19 – algo que pesquisadores independentes já concluíram ser altamente improvável. Além disso, ele atribuiu aos americanos a vacina desenvolvida em parceria pela Pfizer e pela Biontech, que são empresas alemãs. Os médicos por trás do imunizante são de origem turca. Como Ramos, ele tentou se desdizer, mas está claro que falou o que pensa realmente, quando achou que só “amigos” estavam ouvindo. 

Em conjunto, os três episódios mostram com negacionismo, mesquinharia e preconceitos compõem o clima de opinião do Planalto. Essa é a atmosfera venenosa em que Bolsonaro e seus auxiliares vivem, alguns com mais, outros com menos conforto. 

Com a CPI da Pandemia em andamento, Bolsonaro e sua tropa vão aumentar ao infinito a quantidade de mentiras que propagam. Tentarão refutar, com discursinhos ensaiados, o fato de que o governo cometeu todos os erros possíveis no enfrentamento da Covid-19, alguns por ignorância, outros por má-fé, causando muito mais mortes e sofrimento do que seria necessário.

Quando isso acontecer, basta lembrar dessas respostas de Pazuello, Ramos e Guedes, em momentos em que não estavam sob a mira de uma investigação, mas relaxados, dizendo o que pensam e sentem de fato. Aí está a verdade sobre o governo Bolsonaro.