Janeiro de 2016. O cenário, a primeira reunião de pauta da equipe do Caderno 2, em uma sala de mesa comprida no edifício parrudo localizado no Bairro do Limão, em São Paulo. Alguém lembra: no dia 8 daquele mês, David Bowie comemoraria os 69 anos com um disco novo, chamado Blackstar. Outro diz: ano que vem, ele fará 70 anos, devemos preparar algo especial. Outras redações ao redor do mundo, muito provavelmente, passaram pelo mesmo diálogo. O início de 2017 seria para comemorar a existência de David Bowie, o marciano, o camaleão, entre nós, terráqueos. Pois 2017 chegou depois de um combativo e duro ano anterior que, entre outras coisas, tirou a chance de comemorar David Bowie. A dois dias do septuagésimo aniversário do músico inglês, o mundo pode somente relembrá-lo.

Isso, de fato, ocorrerá em diferentes partes do mundo. De São Paulo a Tóquio. Na capital paulista, o “Bowie brasileiro” André Frateschi voltará a interpretar canções do músico inglês interplanetário neste domingo, 8 – veja mais detalhes na entrevista ao lado. No resto do mundo, músicos e colaboradores que caminharam com Bowie ao longo de uma carreira de 25 discos lançados em 54 anos se reunirão em cinco cidades a partir da data que marcaria o seu 70º aniversário. Em Londres, na tradicional 02 Academy, no bairro de Brixton, ao sul da cidade e onde Bowie nasceu, será dado o início da turnê Celebrating David Bowie, cuja proposta, além de relembrar os grandes momentos da carreira do inglês, é arrecadar dinheiro para instituições de caridade locais.

Em 8 de janeiro, o pontapé londrino reunirá uma banda base com nomes como de Mike Garson (pianista responsável pelas linhas de jazz vanguardista de piano no disco Aladdin Sane, de 1973), Earl Slick (guitarrista que acompanhou Bowie de Diamond Dogs, de 1974, até The Next Day, disco lançado há três anos), Adrian Belew (também guitarrista, do período de Bowie em Berlim, entre 1978 e 1979), Mark Plati (produtor que se aproximou do músico inglês durante seus discos dos anos 1990), Gail Ann Dorsey (cantora, baixista e clarinetista que acompanhava o camaleão de 1995 até sua morte, em 2016), Sterling Campbell (baterista de turnê por 14 anos, até a aposentadoria dos palcos, em 2004), Zachary Alford (baterista do disco The Next Day), Holly Palmer e Emm Gryner (ambas vocalistas e colaboradoras durante virada dos anos 1990 para 2000).

A promessa é que outros nomes que frequentaram palcos ao lado de Bowie sejam chamados para participar das homenagens ao vivo.

A apresentação em Brixton, por exemplo, teve seus 5 mil ingressos vendidos em menos de duas horas. Depois de passar pela Inglaterra, a turnê passa por Nova York, em 10 de janeiro, segue para Los Angeles, em 25 de janeiro, Sidney, 29 e 30 de janeiro, e Tóquio, dia 2 de fevereiro. A apresentação em Nova York parece ser particularmente emocionante por se tratar de um ano da morte do artista. Era uma segunda-feira, 11 de janeiro, um dia depois da noite da entrega de prêmios para o cinema e televisão Globo de Ouro, quando as primeiras notícias de que David Bowie havia morrido começaram a surgir. Aos poucos, desvendaram-se os motivos da morte – o câncer de fígado, com o qual estava batalhando há alguns anos, venceu a luta.

O mistério sobre a morte e o estado de saúde do inglês se manteve pelos últimos anos de sua vida porque Bowie preferiu o exílio, desde que sentiu uma dor no peito durante uma apresentação na Alemanha, em 2004, e foi submetido a uma angioplastia para desobstruir uma artéria coronária. Bowie passou a ser uma daquelas figuras que passam por Nova York e poucos, tão imersos em seus próprios mundos, percebem. Escondido em uma multidão, Bowie viveu seus últimos anos em silêncio até decidir quebrá-lo em partes, com The Next Day, o disco de retorno, de 2014, e o excelente, jazzístico e vanguardista Blackstar.

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Não chega a ser uma surpresa que Blackstar, lançado dois dias antes da morte de Bowie, em seu aniversário de 8 de janeiro de 2016, tenha alcançado números altíssimos de venda. Em vida, Bowie já conseguiria, naturalmente, altos índices.

A despedida repentina, tão próxima da chegada do disco, só criou um burburinho ainda maior. Ao fim de 2016, as vendas dos discos em vinil no Reino Unido se mostraram as maiores desde 1991. No topo dos mais vendidos, Blackstar – e, no top 30, havia ainda mais cinco discos dele.

Blackstar foi o canto do cisne do camaleão propositalmente. Segundo o produtor e colaborador de longa data Tony Visconti, Bowie estava se despedindo ali. Na doce inocência da ignorância, o mundo consumiu, ouviu e degustou Blackstar por dois dias na ilusão de se tratar de um artista que via a morte de perto mas, de alguma maneira, estava vencendo aquela briga. Erramos todos. Bowie, que já havia sido um marciano roqueiro, um alienígena branco no funk negro norte-americano, que já havia sido tanto, era agora uma estrela negra, extinta, a dar um adeus definitivo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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