O 7 de setembro começou cedo. Fui acordado às 6h15 por um carro de som passando em frente ao meu prédio, tocando a todo volume a versão bolsonarista de Baile de Favela.

Moro a poucas quadras da Avenida Paulista. No fim de semana, um amigo perguntou se eu estava preocupado com a manifestação que deve começar em poucas horas aqui perto.

Respondi que, ao menos em São Paulo, imaginava uma reunião ordeira de golpistas:  famílias inteiras procurando demonstrar que são capazes de pleitear a dissolução violenta da democracia no Brasil sem causar, eles mesmos, a menor baderna. Já em Brasília, talvez as coisas fossem diferentes, por causa daqueles prédios públicos todos, praticamente pedindo para ser ocupados.

Continuo abraçado às minhas previsões. Foi em Brasília que, ontem à noite, os bolsonaristas invadiram a Esplanada dos Ministérios, sob os olhares complacentes da PM. Não deveria haver manifestação naquela área, mas centenas de pessoas chegaram até as portas do Congresso e do STF. Houve quem falasse em invasão do tribunal.

Para Bolsonaro, esse é o maior risco dos eventos de hoje. Se houver depredação de um prédio público, sendo a sede do STF o alvo mais provável, ele não terá como se dissociar do incidente. Nesse caso, será difícil até mesmo para os caciques do Centrão fingir que nada de grave aconteceu. Haverá pressão significativa sobre Arthur Lira, cada vez mais o nosso Pierre Laval, para que ele tire da gaveta os pedidos de impeachment contra Bolsonaro.

Se nada desse tipo acontecer, as manifestações podem dar ao presidente o fôlego que ele precisa para chegar às eleições de 2022.

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Mesmo com o desastre administrativo e humanitário da pandemia, mesmo com a deterioração da economia, mesmo com o desemprego e o risco de apagão elétrico, mesmo com as defecções crescentes no quadro de apoiadores, a demonstração de amor incondicional por essa fração vociferante da população brasileira que hoje vai às ruas, dará aos comparsas políticos de Bolsonaro a desculpa que eles precisam para não acionar a alavanca do impeachment. Afinal, o plano prioritário desses comparsas é manter o controle da máquina pública e sugar recursos do Estado pelo tempo que puderem.

Ah, mas Bolsonaro com certeza vai perder as eleições de 2022. Sim, é o que dizem todas as pesquisas. Não importa quem seja o adversário, Bolsonaro vai perder. O problema é que o plano do capitão, parafraseando o poema do irlandês Dylan Thomas, não é entrar mansamente na noite escura. Seu plano é usar todos os instantes dos próximos meses não para governar, mas para pôr em dúvida a legitimidade das eleições e fortalecer o seu aparelho de contestação dos resultados – e de golpe.

Não é um 7 de setembro para se comemorar.

PS: Chamei o presidente da Câmara, Arthur Lira, de “nosso Pierre Laval”. Estava me referindo ao segundo personagem mais importante do governo francês de Vichy, na Segunda Guerra Mundial. Esse governo colaborou com os nazistas, que haviam ocupado a França. Seu chefe foi o Marechal Pétain, que, depois de negociar a rendição aos alemães, dissolveu o Congresso e assumiu poderes ditatoriais. Pierre Laval foi o seu braço direito – o homem que de fato tocava as questões de governo. O lema do governo de Vichy era “Trabalho, Família e Pátria”.


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