A Escócia não é aqui. Mas a ideia de um uísque brasileiro não é mais tratada como anedota ou um sinônimo de ressaca. Enfim, o melhor amigo do homem também pode falar português em paz (ainda que com algum sotaque). Mas vamos dar um gole de cada vez…

A memória afetiva de quem já está quase batendo na casa dos 50 anos costuma buscar referências em marcas como Drury’s e Old Eight quando o assunto é uísque brasileiro. O primeiro é um blended uísque (com mistura de grãos e maltes) lançado em 1959. Já o Old Eight (também blended) é de 1966 – e é reconhecido como pioneiro no País em usar maltes envelhecidos por 8 anos.

Com a entrada de marcas importantes de países como Escócia, Irlanda e EUA no mercado brasileiro e, principalmente, com um consumidor local mais “educado” em termos etílicos, tornou-se comum ignorar o uísque nacional – mas também é verdade que muitos detratores nem sequer se davam ao trabalho de experimentá-lo.

Nos últimos anos, o jogo (ou o copo) começou a virar. Duas destilarias têm se destacado na produção de single malts (uísque de malte único): a Union e a Lamas.

A Union Distillery nasceu como uma vinícola em 1948, em Veranópolis, na Serra Gaúcha. “Com o chamado milagre brasileiro nos anos 1970, passamos a investir em destilados”, disse o diretor executivo da marca, Luciano Sérgio Borsato. Nas décadas de 1980 e 90, a Union se estabeleceu como produtora de uísque a granel para produtos de baixo custo.

O conceito da marca mudaria em 2010, com a construção de uma segunda destilaria em Bento Gonçalves: a empresa iniciou um processo de criação de uma linha premium. Entre seus uísques, um single malt envelhecido por 5 anos em barris de carvalho; ou lançamentos mais ousados como o Turfado Wine Cask Finish – feito com turfas importadas da Escócia e finalizados em barris de vinho.

CRESCENDO. Com uma produção de quase 3 milhões de litros por ano e um crescimento de 20% em suas vendas, a Union vende uísques a partir de R$ 180 – na própria destilaria (no site uniondistillery.com.br) e em lojas como a Caledônia, em São Paulo.

Já a Lamas tem uma proposta mais experimental. A destilaria nasceu – em Matosinhos, MG – com uma produção de cachaça familiar, para presentear amigos. “Minha família sempre se uniu em torno de bebida. Apesar da cachaça, a verdadeira paixão do meu pai era o uísque. Começamos para consumo próprio, mas as pessoas começaram a gostar e pedir”, contou Luciana Lamas, dona da destilaria.

A profissionalização começou em 2017. Até agora são quase 20 premiações internacionais para os uísques produzidos pela Lamas. “Ainda tem muita gente que bebe a marca e não consegue perceber a qualidade do produto. O status acaba valendo mais. Para vencer essa desconfiança, investimos em concursos internacionais e na avaliação dos maiores especialistas do mundo. Esses selos de qualidade valem mais do que qualquer ação de marketing”, avalia Luciana. “Uísques japoneses, australianos e canadenses já foram considerados os melhores do mundo. Por que não os brasileiros?”, questiona.

A Lamas tem, por exemplo, o Nimbus. É um uísque defumado, mas sem a utilização de turfa. A defumação é feita com madeira de reflorestamento (eucalipto). Por ano, a Lamas produz 30 mil litros. O preço dos uísques da marca começam por R$140. Os produtos podem ser comprados no site da empresa (lamasdestilaria.com.br) e em lojas especializadas como é o caso da já citada Caledonia Whisky &Co., em São Paulo.

Maurício Porto, especialista em uísque, dono do bar Caledonia e do site O Cão Engarrafado, é quem responde à pergunta de muitos consumidores que ainda não deram uma chance ao uísque nacional: é para ser levado a sério? “Sim, é para ser levado a sério. E cada vez mais. Em menos de 10 anos, a gente tem coisas muito boas e complexas no mercado do uísque nacional. Nosso nível é alto. Não é comparável aos uísques escoceses, mas o Brasil começou a levar a sério há menos de 10 anos. Vamos chegar lá, é continuar tentando”, ponderou.

O uísque brasileiro vai ter um futuro como “player” fora do Brasil? “Não vejo como um país que vai se tornar um grande produtor mundial de uísque, como Escócia, Irlanda e Estados Unidos. Eles têm uma indústria muito consolidada. No Brasil, é mais um negócio voltado para o entusiasta do uísque”, completou.

DESBRAVANDO. Para o consultor em destilados e bartender Rodolfo Bob, “estamos desbravando a produção de uísque no Brasil”. “Ainda não é competitivo no mercado. Não é o do dia a dia. Para isso, precisava ter escala de produção para ter um preço competitivo. Mas o malte é caríssimo, o vidro é caro. Estamos no pontapé inicial”, falou Bob. “Mas o uísque brasileiro tem caminhos. Nosso caminho tem que ser a inovação”, completou.

No bairro da Mooca, na zona leste de São Paulo, sócios da marca de cerveja artesanal Van der Ale iniciaram experiência com destilados. Sob a marca Van der Geist, eles estão produzindo três receitas de uísque: milho, centeio e abóbora. “São três produtos que não passam por barril. Eles são curtidos, por exemplo, em lascas de carvalho. Quem experimentou tem elogiado muito”, avisa Luis Augusto Russi Berti, um dos proprietários. “A gente está comercializando na loja e se valendo do boca a boca. Ainda não temos um plano de marketing.”

A Friends Distillery é de Curitiba e também destila com lascas de carvalho. “Existe o preconceito com o uísque brasileiro até o consumidor colocá-lo na boca. As pessoas estão aceitando e entendendo cada vez mais nosso produto”, falou Mauro Mozzatto, de 50 anos, dono da Friends.

MOONSHINE. A história do moonshine remonta aos tempos do Velho Oeste. Era um destilado americano de alta graduação alcoólica feito de forma clandestina. Ficou conhecido como uma espécie de uísque sem envelhecimento. No Brasil, algumas destilarias estão produzindo versões de moonshine (dentro dos parâmetros da lei, claro). É o caso da Geest Destilaria que, em parceria com a cervejaria Juan Caloto, acaba de lançar o El Miraculoso Calibrador de Mira de Widowmaker Joe. Elaborado com malte de cevada, centeio, milho e malte turfado escocês, ele tem uma graduação alcoólica de 45%.

Para o mestre destilador da Geest, Luís Marcelo Nascimento, o moonshine pode abrir caminhos para a produção de uísques. A seu ver, “a produção do moonshine pode servir como um primeiro passo para um uísque de qualidade”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.