“O que gastamos em defesa na verdade mostra o quanto a valorizamos. E na última década, não demos muita importância a isso”, disse a chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Kaja Kallas, ao apresentar nesta quarta-feira (19/03) em Bruxelas a nova estratégia de defesa do bloco. Segundo ela, o mundo não vê tamanha turbulência desde 1945, e estava na hora de agir.
A estratégia apresentada pela Comissão Europeia é um mapa que dita o caminho rumo a uma UE mais pronta e mais capaz de se defender até 2030. Um de seus principais motivadores, segundo o documento, é a beligerância de Moscou: “Se a Rússia for autorizada a atingir seus objetivos na Ucrânia, sua ambição territorial irá além”, consta do texto. “A Rússia seguirá sendo uma ameaça fundamental à segurança da Europa no futuro próximo, incluindo sua postura nuclear mais agressiva e o posicionamento de suas armas nucleares em Belarus.”
Mas o texto sozinho não deterá o presidente russo Vladimir Putin, e por isso é ainda mais importante cumprir o roteiro da Comissão, argumenta Andrius Kubilius, recém-empossado como o primeiro comissário de defesa do bloco. Ele aponta que diversas agências europeias de inteligência já alertaram que é provável que Moscou teste até 2030 o compromisso da Otan com o Artigo 5 de seu tratado, que prevê a defesa mútua entre os membros da aliança militar.
Mas a estratégia europeia não se restringe à Rússia. Uma China cada vez mais agressiva, a incerteza no Oriente Médio desde a queda de Bashar al-Assad na Síria e o conflito em Gaza também são mencionados, assim como a ameaça de ciberataques ou atos de sabotagem contra a infraestrutura.
UE quer expandir capacidades militares
O relatório identifica áreas críticas em que Estados-membros da UE precisam avançar para aumentar suas capacidades e melhorar a defesa do bloco – o que inclui defesa aérea e de mísseis, sistemas de artilharia, drones e logística militar, a um custo de bilhões de euros.
O órgão executivo da UE enfatiza que seus membros ainda terão controle sobre decisões de defesa nacional, mas disse querer assegurar o uso mais eficiente possível de recursos. Parte disso implicará no desenvolvimento, manufatura e comercialização de sistemas compartilhados de armas. Um grande problema da defesa europeia é justamente a quantidade de sistemas diferentes – e, muitas vezes, incompatíveis – em uso no bloco.
Duas semanas atrás, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apresentou um plano para “rearmar a Europa” que prevê um gasto com defesa de 800 bilhões de euros (R$ cerca de 4,9 bilhões) pelos próximos anos – sendo 650 bilhões de euros vindos de empréstimos no valor de até 1,5% do PIB de cada país e outros 150 bilhões de euros na forma de empréstimos do bloco.
Alguns países da UE terão condições especiais para empréstimos a juros baixos. O dinheiro desses fundos deve impulsionar compras coletivas entre os diferentes Estados-membros e parceiros como a Noruega ou a Ucrânia, e poderá ser usado para aquisição de bens manufaturados inteiramente na UE ou com ao menos 65% de componentes do bloco.
O plano foi bem recebido pela indústria de defesa, especialmente a ideia de compras coletivas. A Associação de Indústrias Aeroespacial, de Segurança e de Defesa da Europa disse que perspectivas de longo prazo são essenciais para o planejamento da segurança.
Apoio da UE à Ucrânia segue essencial
Outro ponto crucial da nova estratégia da UE é o apoio contínuo à Ucrânia em sua luta contra a Rússia. O documento fala em uma “estratégia porco-espinho” para Kiev, o que significa que parceiros do bloco vão armar a Ucrânia “para que seja capaz de deter quaisquer possíveis novos ataques e assegurar uma paz duradoura”.
O texto também deixa claro que a Ucrânia seguirá na linha de frente quando se trata de segurança e defesa europeia, e continuará a ser um “palco importante” na definição da nova ordem internacional, “com sua própria segurança interligada à da União Europeia”.
Além do apoio militar – como o fornecimento de 2 milhões de projéteis por ano e a entrega de sistemas de defesa –, a UE também quer ajudar Kiev incluindo-a em iniciativas da UE.
Expansão de parcerias na Otan e além
O documento da estratégia europeia também menciona a mudança no papel dos EUA como parceiro estratégico. Embora Washington ainda seja mencionado como um aliado tradicional e forte, o texto deixa claro que os EUA vão reduzir suas obrigações como “fiador primário da segurança” da Europa.
Como o comissário de defesa Kubilius disse a repórteres, “450 milhões de europeus não deveriam ter que depender de 340 milhões de americanos para se defender de 140 milhões de russos que não conseguem derrotar 38 milhões de ucranianos”.
Apesar disso, a diplomacia com os EUA continua, assim como a cooperação em uma série de áreas – algumas até aumentaram. O documento da UE conclama ainda a mais trabalho conjunto entre os parceiros da Otan, bem como com nações como a Índia, em assuntos de segurança e defesa.
As recomendações, agora, serão discutidas por cada país-membro.