A Turquia acordou nesta quinta-feira sob estado de emergência e com um apelo do presidente Recep Tayyip Erdogan ao povo turco para que permaneça mobilizado em favor da democracia, após a tentativa de golpe no dia 15 de julho.
O estado de emergência, que não era decretado há 15 anos, ficará em vigor durante três meses e também resultou na suspensão temporária da Convenção Europeia de Direitos Humanos.
“A Turquia suspenderá a Convenção Europeia de Direitos Humanos à medida em que não seja contrário a suas obrigações internacionais, como a França fez depois dos ataques de novembro de 2015”, anunciou o vice-primeiro-ministro Numan Kurtulmus.
Enquanto o estado de emergência supõe, a princípio, restritos na liberdade de manifestação e circulação, o artigo 15 da Convenção reconhece aos governos “em circunstâncias excepcionais” a faculdade de suspender “de forma temporária, limitada e controlada” certos direitos e liberdades garantidos pela mesma.
Apesar das restrições ao direito de protestar impostas pelo estado de emergência decretado, muitos turcos receberam SMS de “RTErdogan” convidando seus partidários a continuar nas ruas para resistir aos “traidores terroristas”.
Essa expressão é utilizada para designar os partidários do pregador exilado nos Estados Unidos Fethullah Gulen, acusado de ter se infiltrado no governo e fomentando o golpe, que terminou com a morte de cerca de 300 pessoas.
Ancara pediu aos Estados Unidos a extradição do clérigo septuagenário, alegando ter provas de seu envolvimento na tentativa de golpe, mas que até agora não foram tornadas públicas.
Resistência histórica
“Meu querido povo, não abandone a resistência heroica que demonstrou a seu país, sua pátria e sua bandeira”, “os proprietários das praças (cidades) não são os tanques. Os proprietários são a nação”, escreveu em sua mensagem de texto o presidente.
Na quarta-feira, ele se dirigiu a seus partidários pela quinta noite consecutiva e declarou sua convicção de que “o golpe talvez não terminou”.
O jornal pró-governo Yeni Safak publicou nesta quinta-feira em seu site uma gravação de uma chamada à oração na mesquita do complexo presidencial, atribuindo-o a mensagem ao presidente Erdogan.
Mas após afirmar que era do presidente a voz lendo as passagens do Corão, um funcionário da presidência negou qualquer chamada para a oração do chefe de Estado.
Em paralelo a este apelo às massas, o expurgo da administração não conhece trégua. Cerca de 55.000 pessoas, entre militares, juízes e professores, foram presos, suspensos ou demitidos.
Nesta quinta-feira, de acordo com a agência Anatolia, 109 generais ou almirantes permaneciam em detenção, incluindo o ex-chefe da Força Aérea, Akin Öztürk, suspeito de ser um dos líderes dos golpistas. Um assessor de Erdogan, Ali Yazici, também está atrás das grades.
A detenção de trinta magistrados foi mantida, e o ministério da Defesa também suspendeu 262 juízes e procuradores militares.
A magnitude deste expurgo está causando preocupação no exterior, com Berlim convidando Ancara a respeitar “a medida certa das coisas”.
“Só o envolvimento em atos penalmente repreensíveis pode estar sujeito a medidas estatais, não a opinião política”, alertou o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier.
Mas essa reação não parece ter abalado a determinação do presidente Erdogan, convencido de que “outros países podem estar envolvidos” na tentativa de derrubá-lo: “Vamos continuar a lutar para eliminar o vírus das forças armadas”, repetiu na quarta-feira, garantindo que não fará “nenhum compromisso” sobre as regras democráticas.
Erdogan deve se reunir na parte da tarde com o presidente do Tribunal Constitucional. O Parlamento deve aprovar o estado de emergência, uma formalidade.
Cemitério para ‘traidores’
Nos termos do artigo 120 da Constituição, o estado de emergência, que não havia sido decretado por 15 anos, foi instaurado por três meses. Ele prevê restrições à liberdade de manifestar ou circular.
No entanto, o vice-premiê Numan Kurtulmus afirmou à imprensa turca que o governo esperava levantar o estado de emergência “em um mês ou um mês e meio”, “se as condições voltarem à normalidade”.
Como a oposição se aliou ao presidente Erdogan após o golpe de Estado, esta decisão contou com o apoio quase unânime da imprensa.
“Os traidores do FETO”, a sigla para a organização de Gülen, “serão afastados do serviço público”, garantiu Zaman. Este jornal, que era próximo do movimento do pregador, foi tomado pelo governo turco em março.
“Estado de emergência contra o terrorismo golpista”, comemorou o Habertürk. “Estado de emergência para os golpistas, serenidade para os habitantes”, opinou Star (pró-governo).
Neste contexto, o prefeito de Istambul, Kadir Topbas, sugeriu que os corpos dos golpistas mortos fossem enterrados em um cemitério separado.
A agência de classificação SP Global Ratings baixou a nota soberana (de BB+ para BB) do país. Desde a tentativa de golpe, a libra turca perdeu 6% em relação ao dólar.
Oito militares turcos, que haviam fugido após o fracasso do golpe, compareceram nesta quinta em Alexandroupolis, para responder por entrada ilegal em território turco.
A justiça grega determinou dois meses de prisão com sursis para o grupo.