O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, anunciou nesta sexta-feira (10) a abertura da antiga basílica de Santa Sofia, também conhecida como Hagia Sophia, para orações muçulmanas depois que um tribunal abriu o caminho para sua transformação em mesquita, anulando seu atual status de museu.

O Conselho de Estado, o mais alto tribunal administrativo da Turquia, aceitou o pedido de várias associações, revogando uma decisão do governo de 1934 que concedia à Hagia Sophia o status de museu.

“O tribunal decide revogar a decisão do conselho de ministros que é objeto deste pedido”, afirmou a corte.

Importante obra arquitetônica construída no século VI pelos bizantinos que ali coroaram seus imperadores, Hagia Sophia é um Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e uma das principais atrações turísticas de Istambul. Em 2019, recebeu cerca de 3,8 milhões de visitantes.

Convertida em mesquita após a tomada de Constantinopla pelos otomanos em 1453, foi transformada em museu em 1934 pelo líder da então jovem República turca, Mustafa Kemal, ansioso por “oferecê-la à humanidade”.

Seu status, porém, é regularmente alvo de polêmicas. Desde 2005, várias associações levaram a questão à Justiça para exigir um retorno ao status de mesquita.

O tribunal explicou que, nas atas de propriedade da Fundação Mehmet Fatih, nome em homenagem ao sultão otomano que conquistou Constantinopla no século XV, Hagia Sophia foi inscrita como mesquita, e essa qualificação não pode ser alterada.

“Foi decidido que a mesquita Hagia Sophia será colocada sob a administração da Diyanet (Autoridade de Assuntos Religiosos) e será reaberta às orações”, disse Erdogan em um decreto, no qual designou o monumento como uma “mesquita”.

Não está claro se esse decreto entraria em vigor imediatamente. Erdogan deve se dirigir ao país pouco antes das 15h.

– “Canais rompidos” –

Vários países, principalmente Rússia e Grécia, que acompanham de perto o destino do patrimônio bizantino na Turquia, assim como Estados Unidos e França, alertaram Ancara contra a transformação de Hagia Sophia em um local de culto muçulmano, medida pela qual o presidente conservador Erdogan faz campanha há anos.

Pouco antes do anúncio da decisão, a Unesco disse que estava “preocupada” com o destino da antiga basílica e pediu à Turquia para dialogar antes de qualquer medida que possa “minar” o “valor universal” deste monumento.

Erdogan, um nostálgico do Império Otomano, que busca atualmente atrair o eleitorado conservador no contexto da crise econômica, devido à pandemia de coronavírus e a um difícil contexto regional, defendeu em várias ocasiões a reconversão de Hagia Sophia em uma mesquita.

No ano passado, chamou sua transformação em museu de “um grande erro”.

“Hagia Sophia é provavelmente o símbolo mais visível do passado otomano da Turquia, e Erdogan instrumentaliza a questão para estimular sua base e desafiar seus rivais em casa e no exterior”, diz Anthony Skinner, da consultoria Verisk Maplecroft.

Desde a chegada de Erdogan ao poder em 2003, as atividades relacionadas ao Islã se multiplicaram dentro da Hagia Sophia, com sessões de leitura do Alcorão e orações coletivas na praça em frente ao monumento.

“Estou muito emocionado. O fato de Hagia Sophia perder o status de museu e se tornar uma mesquita anima todos os muçulmanos”, disse à AFP Mucayit Celik, um morador de Istambul em frente ao monumento.

“É uma decisão que estou esperando há anos. É uma pena que não tenha acontecido antes. Estou muito feliz”, acrescentou Umut Cagri, outro morador de Istambul.

Centenas de pessoas se reuniram em frente à antiga basílica, onde uma força policial reforçada foi acionada, agitando bandeiras turcas para comemorar a decisão do Conselho de Estado.

Mesmo que a reconversão de Hagia Sophia em mesquita não impeça turistas de todas as religiões de visitarem o local – muitos deles visitam a Mesquita Azul nas proximidades todos os dias -, modificar o status de um lugar tão emblemático na história do Cristianismo pode provocar tensões.

Neste contexto, a Igreja Ortodoxa russa lamentou que a “preocupação de milhões de cristãos” não tenha sido ouvida pelo tribunal turco.

Por meio de sua ministra da Cultura, Lina Mendoni, a Grécia descreveu a decisão do tribunal turco como “uma provocação ao mundo civilizado”.