A Turquia celebra neste domingo (29) o centenário da sua república, mas sem a alegria geral que se esperava, em um ambiente ofuscado pela guerra entre Israel e o movimento islamita palestino Hamas.

“Nossa República está segura e em boas mãos, como nunca esteve. Descanse em paz”, disse o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, na manhã deste domingo, dirigindo-se ao fundador da República, Mustafa Kemal Ataturk, durante uma visita ao seu mausoléu em Ancara, que marcou o início das cerimônias oficiais.

Fogos de artifício, desfile naval no Bósforo, exibições de drones em Istambul, iluminação de monumentos emblemáticos… o programa das celebrações foi revelado apenas com uma semana de antecedência.

Esta relutância do governo e do partido islâmico-conservador no poder em celebrar os 100 anos de república secular não impediu os turcos de tirarem as suas bandeiras, com a lua crescente e a estrela, para decorar carros, vitrines e fachadas de edifícios.

O chefe de Estado fará um discurso às 19h23 (horário local), em homenagem ao ano de fundação da República (1923).

Na véspera do centenário, Recep Tayyip Erdogan optou por juntar-se à grande manifestação organizada pelo seu partido AKP no sábado “em apoio à Palestina”, no antigo aeroporto Atatürk de Istambul.

Uma onda de pessoas agitando bandeiras turcas e palestinas – um milhão e meio de pessoas, segundo ele – ouviu-o atacar o Ocidente, “o principal culpado pelos massacres de Gaza” e que ele suspeita querer criar uma “atmosfera de cruzada” contra os muçulmanos.

“Vocês choraram pelas crianças assassinadas na Ucrânia, por que este silêncio diante das crianças assassinadas em Gaza?”, acusou, chamando o Estado de Israel de “invasor e ocupante”.

– “Neutralidade impossível” –

“Israel, nós o declaramos um criminoso de guerra perante o mundo inteiro”, declarou ele no 22º dia de bombardeios na Faixa de Gaza em retaliação ao massacre de 1.400 israelenses, a maioria civis, perpetrado pelo Hamas em 7 de outubro.

Bayram Balci, pesquisador do instituto de estudos políticos Sciences Po, em Paris, salienta que a virulência da Turquia contrasta com a sua moderação nos primeiros dias, quando havia acabado de retomar as relações com Israel.

“A sua neutralidade tornou-se impossível devido à posição tradicional de Ancara e do seu partido, o AKP, a favor da causa palestina”, afirmou.

O presidente turco também acusou Israel de “genocídio” após o bombardeio de um hospital de Gaza em 17 de outubro, que ele imediatamente atribuiu ao Exército israelense, apesar da falta de provas. Ele também se recusou a chamar os islamitas do Hamas de “terroristas”.

“Este (comício) não poderia ter esperado até a próxima semana? O centenário ocorre uma vez em um século”, protestou Soli Özel, professor de Relações Internacionais na Universidade Kadir Has de Istambul, esta semana.

Özel acredita que o chefe de Estado não quer prestar uma homenagem muito forte a Mustafa Kemal Atatürk, cujo legado secular ele ataca pouco a pouco.

A rede pública de televisão TRT anunciou o cancelamento de todos os programas de entretenimento originalmente planejados devido à guerra em Gaza.

ach/bg/ia/hgs/zm/aa