De tempos em tempos, as músicas, as motos apressadas e o emaranhado de fios da rede elétrica cortando o céu dos morros do Rio de Janeiro despertam o interesse de turistas estrangeiros. Guiados por pessoas que conhecem becos estreitos, os grupos percorrem as comunidades da Rocinha, Vidigal e do Morro Dona Marta, na zona sul. Na zona norte, uma das mais procuradas era o Complexo do Alemão. Nos últimos anos, porém, esse cenário foi afetado pela onda de violência no Estado. Mais recentemente, moradores da Rocinha testemunharam a morte da turista espanhola Maria Esperanza Ruiz Jimenez, baleada por policiais militares. Fatos como esse fizeram o turismo em favelas perder pelo menos 75% de sua clientela e jogaram luz em uma complexa realidade. Outro fator que também impactou na atividade foi o colapso das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) que, anos atrás, possibilitaram a visita de milhares de turistas a locais que receberam o policiamento comunitário.

A crise de segurança no Rio de Janeiro provocou forte
queda no interesse de estrangeiros pelos passeios nos morros

ÁREAS EVITADAS

O boom desse tipo de turismo – também chamado pelas operadoras do setor de turismo de realidade – ocorreu entre 2010 e 2013. Nesse período, a demanda de estrangeiros interessados em conhecer os pontos turísticos dos morros cariocas chegou a 1,1 mil pessoas ao mês. Segundo guias locais, a atividade tem como objetivo incentivar a economia e fortalecer o comércio. Com paradas estratégicas em uma feira de artesanato, uma laje com vista para o morro e a passarela Oscar Niemeyer, a operadora Favela Tour foi uma das primeiras a levar grupos de estrangeiros aos becos da Rocinha. O diretor Marcelo Armstrong afirma que o roteiro apresenta a realidade socioeconômica da favela a quem quer conhecê-la. Em 1992, quando a empresa começou a fazer os passeios, havia apenas um turista interessado em conhecer as comunidades a cada 15 dias. Com o passar dos anos, artistas como Michael Jackson utilizaram o cenário do morro Dona Marta para gravar videoclipes (ele fez isso em 1996). Semanas atrás, a cantora Madonna visitou o morro da Providência, posou para fotos com roupas semelhantes às de soldados e foi criticada nas redes sociais.

A reflexão que se coloca é que, ao mesmo tempo em que esses espaços não deveriam ser glamourizados, também não faz sentido a tentativa de proteger somente turistas das agruras das favelas. “Houve um momento que o Brasil era uma vitrine para o mundo e todos tinham interesse em conhecer essas regiões”, diz Armstrong. “Hoje são áreas evitadas por turistas.” Para ele, as favelas são, sobretudo, chagas sociais à espera de políticas públicas. Contudo, muitas vezes são vistas apenas sob a ótica da espetacularização. Na quarta-feira 8, a Favela Tour voltou a fazer passeios turísticos após alguns dias sem operar.

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No dia 25 de outubro, a vereadora Teresa Bergher deu entrada em projeto de lei que estabelece requisitos especiais para a prestação desse tipo de serviço em comunidades. O texto exige que as empresas façam seguro de vida para os visitantes, comuniquem a entrada na favela às polícias, advirtam previamente o grupo sobre eventuais riscos, utilizem um veículo com identificação e contratem um monitor que conheça a região. “Nem mesmo a polícia é capaz de garantir a segurança de qualquer um de nós”, afirmou ela. Criticado pelos agentes de turismo que lucram com a atividade, o projeto deve ser votado em regime de urgência e prevê uma multa de R$ 10 mil se a empresa não informar previamente a polícia sobre a visita. No caso de reincidência, a multa sobe para R$ 20 mil e o infrator estará sujeito à cassação do alvará de funcionamento.

Fotos Pablo Jacob/Agencia O Globo; Estefan Radovicz/Agência O Dia; Bruno Domingos/ REUTERS


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