Foi por um acaso que a ilustradora Carolina Porfírio descobriu que uma casa listada no Airbnb de Porto Alegre (RS) havia sido palco de um dos momentos mais tristes e violentos da história do País: a Ditatura Militar. Em busca de um lugar para ficar com mais cinco pessoas após ter uma reserva cancelada, deu de cara com um anúncio de R$ 700 a diária que dizia se tratar de “uma linda casa moderna” e convidava o hóspede a “aproveitar sua estadia nesta casa de estilista, remodelada e serenamente jardinada em 1927”.

Ao ler os comentários de quem já tinha se hospedado no imóvel, percebeu que algo estava errado e, como já estava em Porto Alegre, foi pessoalmente conferir o endereço. Por lá, viu a placa fixada no chão explicando os horrores que aconteceram ali: “Primeiro centro clandestino de detenção do Cone Sul. No número 600 da Rua Santo Antônio, funcionou estrutura paramilitar para sequestro, interrogatório, tortura e extermínio de pessoas ordenados pelo regime militar de 1964. O major Luiz Carlos Menna Barreto comandou o terror praticado por 28 militares, policiais, agentes do Dops e civis, até que apareceu no Guaíba o corpo com as mãos amarradas de Manoel Raimundo Soares.

Setor de Imagem da Prefeitura de Porto Alegre

Em 1966, com paredes manchadas de sangue, o Dopinho foi desativado e os crimes ali cometidos ficaram impunes”. Carolina disse que jamais se hospedaria no lugar hoje conhecido como Dopinho. “Não é por medo ou crença, é pelo crime mesmo”, disse. O anúncio, após a denúncia da ilustradora viralizar, foi retirado do ar. E essa não é a primeira saia justa da plataforma no último mês. Nos Estados Unidos, o Airbnb se desculpou após permitir que o dono de uma propriedade listasse uma “cabana de escravos dos anos 1830” para alugar em Greenville, no Mississippi. Para a turismóloga Patrícia Oro, o ideal a fazer nesses casos é ressignificar o espaço sem apagar sua memória e suas vítimas. “São lugares para reflexão e não de divertimento. Isso é feito com respeito nos campos de concentração da Polônia”, conta. Segundo ela, é preciso relembrar para que a história jamais se repita.