Novas peças do quebra-cabeça que envolve a morte da vereadora Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes, há dois anos e quatro meses, começam a surgir e podem ajudar a identificar os mandantes do crime. As investigações da rede criminosa que organizou os assassinatos revelam ramificações que aproximam do caso o Escritório do Crime, grupo miliciano de Rio das Pedras, que era comandado por Adriano da Nóbrega, ex-policial do Bope e considerado o maior matador de aluguel do Rio de Janeiro. Nóbrega, que estava vinculado ao escândalo das rachadinhas no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, foi morto em uma operação da Polícia Militar na Bahia, em fevereiro. Um relatório interno da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) revelou, nesta semana, novos indícios de que ele tinha fortes relações com Ronnie Lessa, vizinho do presidente Jair Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra, e acusado de ser o autor dos disparos que mataram Marielle. Já se sabia, pelas investigações levadas adiante pela polícia e pelo MP-RJ, que os dois trabalharam juntos na PM, circulavam nos mesmos lugares na Barra da Tijuca e conviviam com alguma frequência, inclusive em festas. Era fato também que os dois eram assassinos profissionais, que cobravam entre R$ 150 mil e R$ 1,5 milhão por uma execução.

ESCRITÓRIO DO CRIME Ronnie Lessa foi indiciado
por tráfico internacional de armas e está preso

Carros de luxo

O documento da PF e do MP-RJ revelou mais um possível ponto de conexão entre os matadores: uma concessionária de automóveis importados e blindados na Barra da Tijuca chamada Garage Car Store. Segundo a investigação, Adriano usava a loja regularmente para comprar e vender carros. Já Ronnie Lessa teria feito uma pesquisa na internet sobre a revenda nos dias que anteceram a morte de Marielle. Além disso, um homem de confiança de Lessa chamado Márcio Mantovani, conhecido como Márcio Gordo, também freqüentava a Garage Car Store. Na sua conta no Instagram aparecem fotos da loja. Mantovani foi preso porque participou da operação que jogou no mar fuzis desmontados que pertenciam à Lessa, indiciado na semana passada por participar de um esquema internacional de tráfico de armas. “Estou com a consciência tranquila e não conheço nem o Adriano, nem o Ronnie Lessa, nunca vi nenhum dos dois”, afirma o proprietário da loja de carros, Fábio Souza. “Não me lembro de ter feito qualquer negócio com eles”. Souza diz desconhecer qualquer investigação envolvendo sua loja e conta que até agora não foi chamado pela polícia para prestar esclarecimentos.

A proximidade entre Adriano e Lessa leva a inevitáveis conexões com o amigo de mais de 30 anos do presidente Bolsonaro, Fabrício Queiróz, que encabeçava o esquema das rachadinhas. Queiróz e Adriano se conheceram na Polícia Militar do Rio e tinham convivência familiar de décadas. Foi Queiróz, que, neste momento, cumpre prisão domiciliar, quem indicou a mãe do miliciano, Raimunda Magalhães, e sua mulher, Danielle Mendonça da Nóbrega, para ocuparem cargos fantasmas no gabinete de Flávio na Alerj e participarem das rachadinhas. As duas mulheres tinham cargo na Alerj, com salários de R$ 6.490,35. Pelo esquema, recebiam os valores sem trabalhar e dividiam os recursos em três partes: uma ficava com elas, outra ia para Flávio e a terceira, para Adriano. O chefe do Escritório do Crime recebeu homenagens de Jair Bolsonaro, que o considerava um herói.

Relatório da PF e do MP-RJ revelou um ponto de conexão entre os dois matadores: uma concessionária de carros na Barra da Tijuca chamada Garage Car Store

Ronnie Lessa, por sua vez, além de vizinho, é pai de uma ex-namorada do filho 04 do presidente, Renan. Seu cúmplice no assassinato de Marielle, Élcio Queiróz, que dirigia o carro no momento do crime, apareceu em uma foto ao lado do presidente. Lessa também conhecia Fabrício Queiróz desde os tempos da Polícia Militar e circulava em Rio das Pedras, onde fazia negócios com Adriano da Nóbrega. Há indícios de que a família Bolsonaro chegou a ajudar Lessa financeiramente depois que ele sofreu um atentado a bomba, em 2009. Na ocasião, ele prestava serviços de segurança para um bicheiro e perdeu uma das pernas. A Delegacia de Homicídios do Rio já tem quase certeza de que Lessa e Élcio foram os responsáveis pela morte de Marielle. Falta entender, porém, quais os reais motivos do assassinato e como ele foi organizado. As novas pistas que estão sendo descobertas indicam que Nóbrega também pode ter participado do crime. Quanto aos mandantes, eles podem estar mais próximos do que parece.