Por  Ricardo Kertzman

O ano legislativo começou como terminou: farpas entre a Câmara e o Senado (desta vez por causa das investigações contra o deputado Carlos Jordy, do PL do Rio) e também entre os presidentes Arthur Lira (PP-AL) e Lula da Silva (PT) — neste caso, a briga é por mais dinheiro.

O impeachment da ex-presidente Dilma pode ser considerado um marco temporal do empoderamento crescente do Congresso Nacional sobre o Poder Executivo. A partir dali, turbinado na administração Bolsonaro, deputados e senadores passaram praticamente a comandar o País.

Os nobres legisladores sequestraram não apenas o orçamento da União, mas as agendas política e executiva, tornando-se efetivamente os chefes de governo, numa espécie de parlamentarismo velado, deixando apenas – e olhe lá! – as funções de Estado ao presidente da República.

Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, presidentes da Câmara e do Senado, podem muito e, se não podem tudo, podem quase tudo. Até porque, convenhamos, Lula foi eleito, sim, mas por mínima vantagem, sem massivo apoio popular e com boa parte do Congresso refratária.

Na briga do rochedo
e o mar, quem perde são os mariscos. Entre Legislativo e Executivo, perde a sociedade

Assim, as articulações políticas passam, necessariamente, pelo “toma lá dá cá” de cargos, salários, benesses e dinheiros – muitos dinheiros! –, tornando a relação ainda mais promíscua do que sempre foi. Neste cenário, ou promete-se e assina-se o cheque, ou nada feito.

A ameaça dos chefões da Câmara é “travar a pauta” enquanto a bufunfa prometida não for liberada. Ano passado, foi assim que temas importantes ao governo foram votados e aprovados.

O diabo é que, desse jeito, nós, os burros de carga, pagamos duas vezes como ocorreu na reforma tributária. Na disputa feroz pela nossa grana e pelo poder dos comandos das estatais e dos ministérios, de um lado, a “base” do governo (à base de dinheiro e de cargos), e de outro, um solitário Fernando Haddad, em tese, ministro da Fazenda e – por enquanto ao menos – defensor da responsabilidade fiscal.

Na briga do rochedo contra o mar, dizem, quem perde são os mariscos. Já entre Legislativo e Executivo, quem perde é a sociedade. Os únicos vencedores são os beneficiários do butim. E, claro, o outro Poder, o Judiciário, que sempre é buscado e cobra – muito bem!! – sua fatura (algo como 110 bilhões de reais por ano).

No Brasil, há três calendários: o universal, o real (onde tudo só começa após o carnaval) e o dos políticos. Eu e você, leitor amigo, vivemos no universal e já pagamos IPVA, IPTU, matrícula e material escolar etc., e os felizardos ainda curtem férias e só começarão a pensar na vida daqui alguns dias. Já os nossos zelosos representantes… nunca se sabe! Vai depender da velocidade que seus bolsos forem satisfeitos, sobretudo em ano de eleições municipais.