Pela primeira vez em muito tempo no avião da British Airways que ligou Londres a Lisboa, não havia ninguém de máscara. Todos os membros das família Whitehead e Diogo, conviviam alegremente em todas as letras das fila 26 e 27, trocando espirros e carinhos com os frente e os de trás. No voo BA6096 de Gatwick para o Humberto Delgado, a pandemia tinha acabado.

Mas à chegada o cenário mudava um pouco e ainda era preciso preencher o localizador pessoal, usar a dita cuja máscara e mostrar o certificado de vacinação.

O incômodo era visível na cara de todo o mundo porque os sistemas de segurança e fiscalização deixaram já de ser considerados uma garantia de segurança e passaram a ser encarados com desconforto, até  porque em muitos lugares tudo parece já ser normal. A COVID está a desaparecer de repente, tão de repente como aconteceu há 100 anos com aquela  gripe espanhola que a professora Heloisa Starling tão bem descreveu na sua “Bailarina da Morte”

Já passaram dois anos desde que usei a palavra COVID pela primeira vez na coluna que escrevi, aqui na IstoÉ, em março de 2020  Lembro que, na ocasião, fui ao dicionário das citações e descobri uma frase do escritor francês Stendhal que desde então me serviu de mote a muitas reflexões: “pior que o medo, é o medo do medo”.

Percebo hoje que, quando escrevi a frase pela primeira vez, usei-a com leviandade, pois até acreditava que os sistemas de saúde estariam mais bem preparados e equipados para lidar com o número de doentes que surgiram. O colapso dos hospitais foi dramático.

Mas sem perder pela demora, o sentido que então pensei para a frase havia de consumar-se agora – mais de dois anos depois de o vírus ter tomado conta das nossas vidas – quando de repente desapareceu e foi substituído por outro mais jovem e poderoso: o medo da guerra.

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Mas mal a Rússia e a Ucrânia –  com sua dor real e protagonistas novelescos  – ocuparam o centro da narrativa, logo o medo mudou de lugar; e, dando razão ao escritor, ficando o medo do medo maior que o medo em si.

A solidariedade dos homens transferiu-se da enfermaria para o campo de batalha seguindo o costumeiro jogo de sombras em que operam os interesses instalados: de um lado os testes, do outro as armas. Tudo como dantes… tudo como dantes.


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