02/12/2021 - 21:35
O próximo ano será crucial nos Estados Unidos pela realização das eleições de meio de mandato, que os republicanos encaram de forma até recentemente pouco concebível: vencer sem Donald Trump.
Cinco anos após se submeter por completo aos caprichos do líder incendiário e um ano antes das eleições de meio de mandato, o Partido Republicano pensa a vida pós-Trump.
“Nesta etapa, [Trump] seria o favorito se decidisse disputar a corrida presidencial de 2024”, diz à AFP Matt Lacombe, professor assistente de ciência política no Barnard College de Nova York.
“Mas também é muito possível que a coordenação entre os potenciais candidatos e os funcionários do partido seja suficiente para evitar que tente ou obtenha êxito” uma nova candidatura, esclarece.
Desde que Donald Trump obteve a indicação como candidato republicano à Presidência, em maio de 2016, o partido abandonou sua plataforma política em suas duas convenções seguintes, optando simplesmente por declarar lealdade a seu novo cacique.
O consenso continua sendo que todos os caminhos para o Congresso passam pelo clube de golfe Mar-a-Lago, propriedade e local de descanso de Trump em Palm Beach, na Flórida.
E que para vencer em Washington seria preciso beijar a mão do magnata em Palm Beach, bajulando Trump e sua base leal de dezenas de milhões de seguidores fervorosos.
Os republicanos que não seguem essa cartilha sabem que se arriscam, na melhor das hipóteses, a ser vilipendiados em público ou a se tornar alvos de ameaças contra eles e suas famílias por parte dos exaltados apoiadores de Trump.
“Apesar de ter perdido seu megafone nas redes sociais, seu apoio ainda energiza os partidários de base, impulsiona doações e, em alguns casos, elimina concorrentes e provoca desistências”, diz à AFP Tommy Goodwin, consultor político e lobista baseado em Washington.
No entanto, alguns republicanos proeminentes aproveitaram as eleições recentes para governador em alguns estados para pedir uma correção de rumo, mas sem se afastarem de Trump e da sua “grande mentira” de que os democratas roubaram as eleições de 2020 com a vitória de Joe Biden.
– Evitar sua imagem –
O republicano multimilionário Glenn Youngkin, que venceu as eleições a governador na Virgínia, superou o desempenho eleitoral de Trump nos subúrbios deste estado na corrida presidencial de 2020, especialmente entre independentes e mulheres.
Trump imediatamente atribuiu o mérito a si próprio, mas na verdade Youngkin relativizou a influência do magnata e nas semanas anteriores às eleições fez o possível para mantê-lo à distância.
Em Nova Jersey, o republicano Jack Ciattarelli começou muito favorável a Trump, e inclusive discursou em um comício “Stop the Steal” (Parem o roubo) em 2020, mas distanciou-se do ex-presidente durante a campanha pelo governo que, no entanto, acabou perdendo por estreita margem para o democrata Phil Murphy, que foi reeleito.
Os democratas tiveram dificuldades para manter os avanços nos subúrbios destes estados, que os ajudaram a recuperar a Câmara de Representantes em 2018 e a Casa Branca em 2020.
É provável que os subúrbios voltem a ser um campo de batalha estratégico nas eleições de 2022, nas quais estará em jogo o controle da Câmara de Representantes, do Senado e 36 governos estaduais. No entanto, Trump é muito menos popular ali do que na zona rural.
A conclusão para muitos republicanos é que a chave está em pegar emprestado grande parte da estratégia de Trump, mas evitando abertamente sua imagem.
A aprovação do ex-presidente desabou para o mínimo histórico de 34% após a insurreição de 6 de janeiro, quando milhares de seus simpatizantes invadiram violentamente o Capitólio para evitar que os legisladores certificassem a vitória de Biden nas eleições.
Dede então, Trump deu uma série de declarações elogiando os invasores e defendendo as ameaças contra a vida de seu vice-presidente Mike Pence, que presidiou aquela sessão no Congresso.
O líder dos republicanos no Senado, Mitch McConnell, instou o ex-presidente de 75 anos a se manter à margem das eleições de meio de mandato e disse a jornalistas: “Acho que temos que falar sobre o futuro e não sobre o passado”.
No entanto, Rick Scott, presidente do comitê de campanha no Senado dos republicanos para 2022, disse à emissora NBC que qualquer republicano seria “bobo” em recusar o apoio de Trump, pondo em evidência o dilema que seus correligionários enfrentam.
“Donald Trump está onde quer estar: no centro das atenções, como um menino chorando no corredor dos doces de uma loja lotada, exigindo mais refrigerantes, enquanto joga sacos de chocolate para os outros meninos”, diz à AFP Peter Loge, professor associado da Universidade George Washington.
– “O passado nunca está morto” –
O alcance de Trump não é mais o que era antes de seu banimento das redes sociais, que freou efetivamente sua influência diária.
Além disso, sua receita eleitoral demonstrou não ser tão eficaz quanto ele mesmo insistia em proclamar.
Trump é o primeiro presidente desde Herbert Hoover, há quase um século, a perder a Câmara, o Senado e a Casa Branca em um único mandato.
“Até agora, os candidatos apoiados por Trump não se saíram particularmente bem”, analisa Sam Nelson, professor associado e presidente do departamento de ciência política da Universidade de Toledo.
“Embora os candidatos das primárias republicanas busquem ativamente seu apoio, valioso nas eleições (partidárias), essa mesma sustentação pode ser um tanto perigosa nas eleições gerais, pois motiva os democratas a votarem contra o candidato que Trump apoiar”, avalia Nelson.
Loge acredita que podem surgir desafiantes que pensam que não têm nada a perder, juntamente com outros preocupados com o futuro do Partido Republicano e do país.
“As eleições de meio de mandato de 2022 também vão contribuir em grande medida para determinar qual será o verdadeiro nível de apoio de Trump para 2024”, destaca.
“Se os candidatos apoiados por Trump vencerem as eleições primárias e gerais, as ações de Trump vão subir”, e se perderem, “vão cair”, explicou.
Mas Trump continua sendo considerado um herói por milhões de novos eleitores descontentes, que ele levou para o lado dos republicanos em 2016.
Mark Bayer, ex-chefe de gabinete do Senado e da Câmara baixa lembrou de uma famosa frase de William Faulkner: “O passado nunca está morto. Nem sequer passou”.
“O mesmo pode se dizer da influência (…) de Trump sobre o Partido Republicano. Seu controle é tão forte quanto quando era presidente”, diz à AFP.