Poucos analistas podiam prever: encerrado o impeachment, o presidente Donald Trump conquistou uma força inédita na política americana e se vê em uma posição privilegiada para acelerar sua campanha à reeleição. Ele conseguiu superar o desgaste do julgamento, uniu o Partido Republicano e comemora dados amplamente favoráveis na economia — o índice de desemprego está em baixa histórica. Até no fronte externo, onde tinha uma imagem hesitante, surfa na fama de hábil estrategista após ordenar a execução no início de janeiro do general iraniano Qassem Suleimani.

O maior fantasma para a reta final do primeiro mandato de Trump era o processo de impeachment iniciado em setembro — o terceiro de um presidente americano em 244 anos de história americana. Após ser aprovado na Câmara, onde os democratas têm maioria, o processo foi enviado ao Senado no dia 16 de janeiro. Em três semanas, o julgamento foi concluído. Foi finalizado em anticlímax na quarta-feira, 5. Como previsto, a maioria republicana garantiu a rejeição das acusações. Trump foi inocentado com 52 votos contrários e 48 a favor em relação ao artigo de abuso de poder e 53 a 47 quanto a obstrução do Congresso. Eram necessárias 67 cédulas — dois terços da casa — para tirá-lo da Presidência.

Pesquisa mostra que o presidente alcançou melhor índice de aprovação desde o início do mandato: 49% dos americanos o apoiam

Na reta final do julgamento, conduzido pelo presidente da Suprema Corte dos EUA, John Roberts, as esperanças da oposição estavam na convocação do ex-assessor de Segurança Nacional John Bolton, antigo aliado de Trump. Ele se tornou uma testemunha-chave porque poderia confirmar uma das acusações — a de que o presidente condicionou uma ajuda militar à Ucrânia para que o país investigasse seu rival na corrida presidencial, o ex-vice-presidente democrata Joe Biden. Porém, a base de apoio republicana se manteve unida para barrar sua deposição. Com isso, era apenas uma questão de tempo para que virasse mais essa página do seu conturbado mandato. Trump ganhou e pavimentou seu caminho para a reeleição.

Apoio republicano e polarização

O desfecho comprovou que o presidente, que tinha poucos laços com os republicanos até quatro anos atrás, passou a controlar com mão de ferro o partido — onde houve uma renovação de quadros nos últimos anos da ordem de 40%. Sob o controle e sem espaço para os moderados, as lideranças e parlamentares passaram a seguir a cartilha do mandatário, pelo menos publicamente — uma das exceções é o senador Mitt Romney, que deu o único voto republicano pela condenação de Trump por abuso de poder. Para isso, o presidente exerceu sua influência entre eleitores, doadores e veículos de mídia. Na prática, obteve o apoio esmagador na base do partido. Com tudo isso, o presidente está em alta. Uma pesquisa divulgada pelo instituto Gallup na terça-feira, 4, mostra que ele alcançou o melhor índice de aprovação desde o início de seu mandato. De acordo com o levantamento, 49% dos americanos dizem aprovar Trump. A aprovação entre os republicanos é igualmente recorde: 94%, alta de seis pontos percentuais em relação ao mês anterior.

Isso não quer dizer que o país tenha superado a polarização. A própria votação no Congresso se deu mais pelo esgarçamento do sistema bipartidário do que pela certeza de que o presidente não tinha afrontado a Constituição. A grave divisão prejudica o debate público sobre temas de interesse nacional e fragmenta o establishment político. Isso ficou mais claro no constrangedor Discurso sobre o Estado da União, protagonizado pelo presidente na terça-feira, 4. Esse momento solene, que inaugura o ano legislativo, é uma tradição desde a fundação da democracia americana. A partir de Woodrow Wilson, em 1913, o próprio mandatário apresenta anualmente suas prioridades para os congressistas, buscando engajar os dois partidos. Este ano, Trump transformou a cerimônia em barraco. Virou as costas para a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, quando esta tentou cumprimentá-lo. Em revide, ela fez pior: rasgou uma cópia do relatório presidencial. Assim, é difícil imaginar que um provável segundo mandato de Trump vá deixar de desafiar ainda mais o sistema político americano.

Era tudo o que ele queria

As primárias (“caucus”) de Iowa, realizadas na última segunda-feira, 3, eram a aposta do Partido Democrata para ganhar o noticiário e pavimentar o caminho contra Donald Trump nas eleições de novembro. Deu tudo errado. O evento acabou em frustração com uma pane no sistema de contagem de votos. Dois dias depois, ainda não se sabia o resultado oficial. Contadas 86% das cédulas, quem mantinha a dianteira, com 26,7% dos delegados, era um azarão: Pete Buttigieg, de apenas 37 anos, ex-prefeito de South Bend, cidade de cem mil habitantes no estado de Indiana. Moderado, é o primeiro candidato assumidamente gay a concorrer à Presidência. Em seguida vinha o veterano Bernie Sanders (25,4%), que, junto com a senadora Elizabeth Warren (18,3%), representa o campo mais à esquerda no partido. Já o líder nas sondagens nacionais, o ex-vice-presidente Joe Biden, amargava a quarta colocação (15,9%). O resultado foi péssimo para ele, que representa o centro, mas é uma boa notícia para o bilionário Michael Bloomberg, que luta para ser o grande candidato moderado anti-Trump e não participou do processo em Iowa, nem estará presente nos três próximos. Ele aposta na chamada Superterça, em 3 de março, quando 14 estados terão primárias.