20/11/2024 - 12:31
Em entrevista, Todd Stern, ex-negociador climático dos EUA na era Obama elogia diplomacia brasileira, alerta contra lobby do petróleo e avalia que volta de Trump não será capaz de frear esforço contra mudanças climáticasPelos corredores da 29ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP29), que acontece em Baku, no Azerbaijão, Todd Stern agora caminha como um observador. Há quase dez anos, ele era uma figura central num evento que, pela primeira vez, fixou uma meta global para frear as mudanças climáticas. Como negociador-chefe dos Estados Unidos, liderados pelo então presidente Barack Obama, ele ajudou a fechar o Acordo de Paris, em 2015.
A ocasião marcou a primeira vez que mais de 190 países concordaram em cortar suas emissões de gases de efeito estufa, maiores causadores das mudanças climáticas, para limitar o aumento da temperatura média do planeta em até 1,5°C, em comparação com a era pré-industrial.
No entanto, um ano depois, tudo mudou: Donald Trump foi eleito pela primeira vez e abandonou o acordo. Depois, em 2021, Joe Biden oficializou o retorno do país ao acordo e tomou medidas na direção de uma transição energética.
Agora, com Trump reeleito, a expectativa é que o país saia novamente do tratado. "Não acho que o fato de Donald Trump novamente ser presidente e retirar os EUA do acordo vá matá-lo. Isso é muito ruim, não estou minimizando, mas não vai destruir o acordo. Não destruiu da última vez e não destruirá desta vez”, analisa Stern.
A aparente falta de um acordo em torno do financiamento climático nesta edição da COP frusta alguns observadores, mas, segundo Stern, um clima de tensão na reta final é normal. Segundo ele, um dos maiores desafios é lidar com a pressão da indústria do petróleo, que é feita também por empresas estatais, lembra Stern.
Sua expectativa para a próxima COP, no Brasil, também é alta. "Estou muito feliz que será no Brasil. Sempre considerei, há muito tempo, que o Brasil tem um dos melhores grupos de diplomatas e negociadores do mundo”, disse à DW.
DW: Este é um momento crítico da crise climática e Trump acaba de ser novamente eleito nos Estados Unidos. O que você acha que vai acontecer?
Todd Stern: Acredito que ele vai sair do Acordo de Paris novamente. Ele já fez isso uma vez.
Há algumas pessoas no círculo dele que estão pedindo para ele não fazer isso, incluindo o CEO da Exxon. Mas creio que ele provavelmente o fará.
É possível que desde 2015 o mundo tenha mudado a ponto de Trump enfrentar agora mais pressão do mercado e de outras partes interessadas para permanecer no acordo?
Não sei. Quer dizer, o mundo certamente mudou muito, há mais ações empresariais em relação ao desenvolvimento de energia limpa, a transição verde avançou dramaticamente. Mas não sei se isso terá muito impacto sobre Trump. Ele toma suas próprias decisões e nunca se sabe.
O que esperar desta Conferência do Clima?
A maior questão é a chamada Nova Meta Coletiva Quantificada [NCQG, que lida com financiamento climático]. As pessoas têm trabalhado nisso há um bom tempo, e acho que ainda existem diferenças substanciais entre as partes. Espero que, no final das contas, elas encontrem uma solução e que o acordo nesta COP, pelo menos nesse aspecto, seja suficientemente bem-sucedido. Talvez não seja uma grande COP, mas suficientemente bem-sucedida.
O senhor tem experiência como negociador nessas conferências. Quando a COP vai se aproximando do fim, como é o caso agora, qual é a parte mais difícil de lidar? É a divisão entre países pobres e ricos?
O processo que ocorre, certamente, na segunda semana e, até certo ponto, na primeira semana das negociações, envolve os países entendendo, de certa forma, quais são as possibilidades de cada lado.
Frequentemente, durante o ano todo, os países continuam repetindo seus posicionamentos sem perceber que é necessário encontrar uma maneira de fazer isso funcionar com os posicionamentos de outros países.
Os países não querem ceder até acharem que realmente precisam. E esse é o trabalho que geralmente ocorre nos últimos dias.
É por isso que pode ser uma experiência estressante nos últimos dias, especialmente para pessoas que não estão acostumadas com isso.
A presença do lobby da indústria de combustíveis fósseis tem sido muito notada nas últimas COPs. Você acha que isso exerce algum tipo de influência nas negociações?
A resposta é sim.
Lembre-se de que as grandes empresas petrolíferas entram em cena de duas formas: as privadas e as estatais. Se você olhar para a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos ou vários outros países, essas são empresas estatais de petróleo ou de gás. Com certeza, isso influencia a posição de países como esses, e sempre tivemos que lidar com isso.
Olhando para o cenário das mudanças climáticas agora, de uma perspectiva geral, vejo que os impactos das mudanças climáticas estão, de certa forma, chegando até nós mais rápido e de forma mais intensa do que qualquer um imaginava, até mesmo os cientistas.
Estamos em um ponto agora, em 2024, que já é bem diferente de 2015. Temos eventos climáticos extremos de proporções bíblicas em todo o mundo, certo? E ninguém está imune a isso, sejam ricos ou pobres, mas afeta os países pobres com mais frequência porque eles não têm o que é necessário para lidar com isso. Os impactos são muito mais fortes do que sequer imaginávamos.
O segundo ponto é que o progresso na transição verde tem sido espetacular, mais do que qualquer pessoa sonhou, incluindo os melhores analistas. Se você olhar para o que estavam prevendo há 10 ou 15 anos, não chega nem perto de onde chegamos em termos de energia eólica, solar, baterias, veículos elétricos, e por aí vai.
Isso tem sido fantástico e, se não houvesse obstáculos, talvez pudéssemos dizer que até 2050 estaríamos relativamente perto do que esperávamos alcançar.
Mas o terceiro ponto é que temos obstáculos, e o maior obstáculo é a indústria de combustíveis fósseis, tanto no que eles produzem quanto na influência que exercem sobre os governos ao redor do mundo.
Então, esse é o desafio que enfrentamos agora. E, no final, muito disso se resumirá a uma combinação de coisas que envolvem as pessoas. É uma questão de vontade política e do nível de crença e demanda por parte do público.
A próxima COP será no Brasil, e também marcará o décimo aniversário do Acordo de Paris. Você acha que, considerando tudo isso, o acordo ainda está vivo?
Sim, acho que o acordo ainda está vivo. E não acho que o fato de Donald Trump ser novamente presidente e retirar os Estados Unidos do acordo – se isso ocorrer –vá matá-lo. Isso é muito ruim, não estou minimizando, mas não vai destruir o acordo. Não destruiu da última vez e não destruirá desta vez.
Países grandes como China, Brasil e muitos outros não querem isso. Os países menores realmente não querem isso, porque, não se esqueça, o multilateralismo é a única maneira de eles terem uma voz.
Os 20 maiores países podem se reunir no G20, mas há outros 150 ou 130 países que não têm esse fórum. Não acho que este acordo vai morrer; acredito que ele continuará vivo.
E qual será o peso do Brasil na próxima COP?
Estou muito feliz que será no Brasil. Sempre considerei, há muito tempo, que o Brasil tem um dos melhores grupos de diplomatas e negociadores do mundo. São realmente muito bons. Sempre pensei que Singapura e Brasil têm os dois melhores ministérios de Relações Exteriores do mundo.
Acho que o Brasil terá muita capacidade para conduzir a COP no próximo ano. Seria cem vezes melhor se os Estados Unidos ainda estivessem plenamente envolvidos. Fico triste por isso
Na Rio+20, em 2012, o diplomata Luiz Alberto Figueiredo liderou toda a organização, e André Corrêa do Lago, que agora é um dos líderes climáticos, também estava atuando ativamente lá. Cerca de três semanas antes de tudo começar, a Casa Branca me pediu para liderar a equipe e me envolver. Então, eu não estava muito envolvido no conteúdo, mas participei e vi o quão habilidosos Figueiredo e sua equipe eram. Desde quando me envolvi com mudanças climáticas, em 1997 e 1998, enquanto trabalhava na Casa Branca para Bill Clinton, já percebia isso.
Desde então, dava para notar que os brasileiros eram muito inteligentes, muito estratégicos. Acho que eles farão um bom trabalho e entendem o que está em jogo. Eles entendem os países em desenvolvimento, mas também têm uma visão ampla do cenário global.