Como Trump interfere na política interna de outros países pelo mundo

Presidente remonta histórico de intervenções dos EUA com discurso mais explícito

Como Trump interfere na política interna de outros países pelo mundo

Os Estados Unidos têm um longo histórico de intervenções políticas em outros países, que remonta há décadas. Entre 1947 e 1989, período que coincide com a Guerra Fria, a Casa Branca tentou mudar os governos de outros países 72 vezes – seis delas abertamente –, segundo uma análise da cientista política Lindsey A. O’Rourke, do Boston College publicada no jornal americano The Washington Post.

Outro cientista político, Dov Levin, contabilizou em um livro publicado em 2021 mais de 80 intervenções desde o fim da Segunda Guerra Mundial – mais do que qualquer outro país, até mesmo a Rússia.

Mas nenhum presidente da história moderna americana tentou interferir tão descaradamente em governos estrangeiros quanto Donald Trump. O líder republicano tem apoiado abertamente seus aliados de ultradireita em outros países, e recorre para isso frequentemente a postagens em sua rede social própria, a Truth Social.

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Guerra ao ‘narcocomunismo’ é premissa

No exemplo mais recente de estratégia de intervenção, Trump ameaçou “consequências” para Honduras caso o candidato apoiado por ele, o conservador Nasry “Tito” Asfura, do Partido Nacional, não vença.

O americano define Asfura como “único amigo de verdade da liberdade” contra o “narcocomunismo”. A vitória dele, assegura, garantiria “muito apoio” da Casa Branca ao país assolado pela pobreza e pela migração de hondurenhos para o exterior em busca de uma vida melhor.

O país foi às urnas no último domingo, 30, mas a apuração dos resultados evolui a passos lentos. Com 57% das urnas apuradas até agora, Asfura aparece em empate técnico com Salvador Nasralla, do Partido Liberal, com vantagem de pouco mais de 500 votos. O país não tem segundo turno.

Em uma mensagem publicada em sua conta oficial na Truth Social, Trump afirmou que “Honduras está tentando mudar os resultados” e alertou que “haverá consequências” se isso acontecer. “A democracia deve prevalecer!”, advertiu, alegando que a vontade expressa pelos eleitores “em números esmagadores” deve ser respeitada.

Apesar dos alertas de Trump contra uma suposta ameaça “narcocomunista” a Honduras, o apoio de Washington, a poucos dias das eleições, veio juntamente com o aceno de um possível indulto para um ilustre traficante de drogas hondurenho condenado pela justiça americana: o ex-presidente Juan Orlando Hernández (2014-2022), correligionário de Asfura que pegou pena de 45 anos de prisão por, nas palavras do jornal The New York Times, ter “inundado os EUA com cocaína” .

Na segunda-feira, 1º, a esposa de Hernández, Ana García, anunciou nas redes sociais que ele foi de fato indultado e solto. “Depois de quase quatro anos de dor, de espera e de provas difíceis, meu esposo voltou a ser um homem livre, graças ao perdão presidencial outorgado pelo residente Donald Trump”, celebrou.

“Eu não consigo pensar em uma época em que um presidente americano esteve disposto a declarar abertamente suas preferências em uma eleição estrangeira dessa forma, pelo menos na história moderna”, afirmou o jurista e especialista em relações internacionais Thomas Carothers, do think tank americano Carnegie Endowment for International Peace, à agência de notícias AFP.

América Latina é alvo prioritário

O presidente dos EUA parece especialmente confortável em declarar suas preferências políticas a respeito de outros países na América Latina, onde o histórico de intervenções da Casa Branca é longo e vasto.

A Colômbia, por exemplo, presidida pelo esquerdista Gustavo Petro – um franco antagonista de Trump –, foi punida em outubro pela Casa Branca com um corte de verbas milionárias para o combate ao narcotráfico após Petro criticar os EUA pelos ataques mortais a embarcações no Caribe e no Pacífico supostamente a serviço do tráfico de drogas.

Petro foi chamado de “lunático” pelo chefe da diplomacia americana, Marco Rubio, e de “barão da droga” por Trump.

No Brasil, a Casa Branca enquadrou o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), na Lei Magnitsky e impôs tarifas sobre os produtos brasileiros enviados aos EUA em reação ao processo pelo qual Jair Bolsonaro (PL), aliado de Trump, foi condenado por tentativa de golpe de Estado.

Na Argentina , governada pelo ultradireitista Javier Milei, Trump sinalizou bilhões de dólares em socorro financeiro antes das eleições legislativas. Desse valor, 20 bilhões foram formalizados após resultado favorável para Milei no pleito. “Ele [Milei] teve muita ajuda de nossa parte. Ele teve muita ajuda. Eu lhe dei uma garantia, uma garantia muito forte”, disse Trump após a eleição argentina.

Nicolás Maduro e Donald Trump são conhecidos por representar alas políticas opostas

Já a Venezuela se vê atualmente cercada por um contingente militar americano massivo no Caribe – que inclui o maior porta-aviões do mundo –, supostamente destinado a combater “narcoterroristas” na região. Nos últimos meses, os EUA têm aumentado a pressão sobre o regime de Nicolás Maduro, afirmando que seu governo é ilegítimo e associando-o a cartéis de drogas e ao terrorismo.

“É uma tentativa consistente de influenciar politicamente, reforçar o que acho que eles [EUA] veem como uma guinada à direita que já está ganhando força na região [América Latina]”, analisou o pesquisador Will Freeman, do think tank Council on Foreign Relations, em entrevista à AFP.

Tentativas europeias

Um dos casos mais expressivos é o da Alemanha, que elegeu um novo Parlamento em fevereiro de 2025. Em visita ao país a menos de duas semanas da eleição, o vice-presidente americano JD Vance se encontrou com a líder do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) , Alice Weidel, e palestrou, diante de líderes europeus, sobre o que vê como distorção dos valores comuns que uniriam EUA e Europa.

Na ocasião, Vance também condenou a existência de “cordões sanitários” na política – uma clara referência à relutância de políticos alemães em permitir que a AfD exerça qualquer influência sobre as decisões do Parlamento – e a anulação das eleições presidenciais na Romênia por suspeita de interferência russa .

O endosso americano ao candidato pró-Rússia na Romênia não serviu de muita coisa – Calin Georgescu, que surpreendeu ao vencer o primeiro turno original que foi posteriormente anulado, foi barrado da nova corrida presidencial e não conseguiu transferir seu capital político para o eurocético George Simion, líder do partido de ultradireita Aliança para a União dos Romenos (AUR).

Na Polônia, porém, a Casa Branca conseguiu emplacar seu favorito na Presidência, o conservador Karol Nawrocki , abertamente apoiado pela secretária de segurança doméstica dos EUA, Kristi Noem, em visita ao país.

No Reino Unido, Trump e seus emissários incensaram o parlamentar anti-imigração Nigel Farage; na França, defenderam a líder de ultradireita Marine le Pen após ela ser condenada por desviar recursos do Parlamento Europeu e impedida de se candidatar a cargos públicos.