Em 100 dias de seu retorno à Casa Branca, o presidente Donald Trump impôs seu “tempo”, destratou aliados dos Estados Unidos, ameaçou anexar territórios e sacudiu a ordem geopolítica mundial.
O presidente americano, que se apresenta como um “pacificador” e acalenta a esperança de receber um prêmio Nobel da Paz, se envolveu em negociações sem precedentes com a Rússia e o Irã, inimigo declarado de seu país, com êxitos distintos.
Trump avança a passos firmes para tornar realidade seu lema, “Os Estados Unidos em primeiro lugar”: das tarifas alfandegárias impostas sobretudo à China ao aceno para uma reivindicação do Canal do Panamá e da Groenlândia, passando por colocar aliados europeus contra a parede e cortar drasticamente a ajuda externa dos Estados Unidos.
Trata-se de uma estratégia claramente unilateral e baseada no princípio único das negociações, uma espécie de “toma lá dá cá”, que pôs fim a décadas de “soft power”, a conhecida diplomacia de influência americana e que questiona os fundamentos da globalização e do livre-comércio.
“A administração Trump jogou todas as antigas certezas no liquidificador e as dissolveu”, escreveu Mark Leonard, que dirige o Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR, na sigla em inglês), no site do organismo.
No entanto, a tarefa não é tão fácil para o defensor da “paz pela força”.
Israel retomou sua ofensiva na Faixa de Gaza e o conflito na Ucrânia continua.
Sem dúvida, a ruptura mais espetacular foi sua aproximação com o presidente russo, Vladimir Putin, a quem diz admirar.
Ao renovar seus laços com Putin, Trump pôs fim ao isolamento internacional de Moscou, ainda que às custas de Kiev.
Putin era considerado um pária pelo governo de seu antecessor Joe Biden e os países ocidentais depois da invasão russa à Ucrânia, em fevereiro de 2022.
No processo, altos funcionários americanos e russos se reuniram na Arábia Saudita com a esperança de retomar as relações bilaterais.
Trump e Putin vão se encontrar cara a cara? Eles sugeriram que uma reunião poderia acontecer ainda em abril em território saudita, mediador dos diálogos.
Ao mesmo tempo, os Estados Unidos endureceram sua posição com o presidente ucraniano com uma discussão pública e televisionada durante uma visita de Volodimir Zelensky à Casa Branca, que deixou o mundo em choque.
Excluídos dos diálogos com Moscou, os europeus foram incluídos em reuniões trilaterais com Washington e Kiev na quinta-feira passada, em Paris. Um novo encontro será celebrado em Londres esta semana.
Mas, enquanto as negociações sobre um cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia patinavam, Trump ameaçou abandonar os diálogos caso um acordo não seja alcançado rapidamente.
Em outra frente, o presidente republicano iniciou diálogos com o Irã sobre seu programa nuclear.
Os americanos e os iranianos, inimigos desde a Revolução Islâmica de 1979, tiveram duas rodadas de diálogos indiretos, em Roma e Omã, liderados pelo enviado especial de Trump, seu amigo bilionário Steve Witkoff.
Washington, que adota uma política de “pressão máxima” contra Teerã, é favorável a uma solução diplomática, mas não descarta uma intervenção militar contra o Irã para evitar que a República Islâmica obtenha uma arma atômica.
Altos funcionários da administração Trump, a começar pelo chefe do Departamento de Estado americano, Marco Rubio, reiteram constantemente que o presidente anda “fora dos caminhos trilhados” e é o “único” em condições de fazer tais negociações.
Outros fatos de destaque desde sua posse, em 20 de janeiro, são os anúncios de retirada dos Estados Unidos do acordo climático de Paris e da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ao mesmo tempo, o presidente republicano adota cortes maciços nas ajudas internacionais em nome do combate ao desperdício e nos programas que promovem diversidade, equidade e inclusão.
Ele também adotou uma política de expulsão de migrantes irregulares e iniciou uma guerra contra os cartéis do narcotráfico do México, os quais classificou de organizações terroristas estrangeiras.
“Suas iniciativas colocaram de cabeça para baixo tudo o que conhecíamos, pelo menos desde a Segunda Guerra Mundial”, afirmou Melvyn Leffler, historiador da Universidade da Virgínia.
“Penso que Trump é uma volta ao darwinismo social do fim do século XIX, que acredita que todas as nações estão envolvidas em uma luta pela sobrevivência do mais forte”, acrescentou o acadêmico, para quem os Estados Unidos nunca vão voltar “ao mesmo tipo de ordem liberal, global e hegemônica que existia mais ou menos depois de 1945”.
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