Ignorando as críticas que vem sofrendo devido à forma como tratou a pandemia do novo coronavírus, o presidente Donald Trump eleva o tom do discurso, desde a primeira hora da convenção do Partido Republicano, colocando em prática a mesma estratégia que usou na campanha eleitoral contra Hillary Clinton, em 2016, quando abusou de xingamentos, deturpações e fake news. A Covid-19, porém, impôs uma mudança conceitual na forma como a campanha vai se desenvolver. Pelo menos do lado dos democratas o formato já foi assimilado. O partido começou a disputa pela Casa Branca realizando um grande encontro virtual, ao invés do tradicional corpo a corpo com o eleitor e a militância.

BRAVATA O presidente Donald Trump definiu sua estratégia de campanha: xingamentos, deturpações e fake news (Crédito:Susan Walsh)

Na ocasião o casal Obama, principalmente Michelle, se destacou mundialmente. Num dos trechos mais importantes de seu discurso, ela deixou claro que Trump não tem capacidade de conduzir os Estados Unidos perante a crise: “Quando penso no tipo de presidente que quero para minhas meninas e todos os nossos filhos (…), quero alguém comprovadamente capaz de perseverar. Alguém que leve este trabalho a sério. Alguém que entenda que as questões de nossa nação são complexas. E que não podem ser resumidas em 140 caracteres”, disse.

Como Trump está em desvantagem na pesquisas em relação ao candidato democrata, o moderado Joe Biden, não há tempo a perder. A regra do presidente é bater sem parar. Vale desde a grotesca tentativa de reescrever a história recente a respeito da condução da crise sanitária e econômica que assola o País. “Fizemos um ótimo trabalho. Não só eu, mas os médicos e enfermeiros”, bravateou Trump. Até usar agressões pessoais e preconceituosas, como tentar colar o rótulo de que Biden está com problemas mentais, devido a sua idade, 77 anos, Trump lançou mão. Esqueceu-se de que tem 74 anos.

Trump se colocou como o principal nome entre os líderes políticos no mundo que negaram a existência da Covid-19, e a capacidade mortífera do vírus. O presidente fez pouco caso dos apelos da comunidade médica e científica sobre a necessidade imediata de mudança absoluta na vida prática, e foi além, retirando a participação americana na OMS. O coronavírus já matou mais de 180 mil pessoas nos Estados Unidos, devido à forma como Trump administrou a crise. Na economia, consequentemente, o País sofre uma retração histórica, algo que não se via desde a Grande Depressão de 1929, com índices de desemprego que saíram de 3,5%, antes da pandemia, para os atuais 13%, com perspectiva de alta. Além disso, há uma queda do PIB, anunciada em 30 de julho, de 32,9%, no segundo trimestre deste ano.

Para a pesquisadora Denilde Holzhacker, do Núcleo de Negócios e Estudos Americanos da ESPM, a campanha de reeleição de Donald Trump pode ser resumida em três eixos principais: em primeiro lugar, tentar embutir na cabeça do eleitor o medo do “perigo vermelho”. “Essa esquerda radical vai fazer Biden nomear juízes loucos e super-radicais de esquerda para a Suprema Corte, e seu sonho americano estará morto se isso acontecer”, disse Trump, sob aplausos de uma plateia de 300 pessoas. Em segundo lugar, ele deve se amparar no discurso de defesa da família tradicional, que seria o âmago da Nação forte americana. E, por último, Trump quer vincular tudo o que aconteceu de negativo nos EUA durante sua gestão à China comunista e aos imigrantes. Sua intenção é reforçar a ideia de que o coronavírus surgiu de forma arquitetada pelos chineses para destruir a América.

MODERADO O candidato democrata Joe Biden está na frente das pesquisas: jogo difícil e incerto (Crédito:OLIVIER DOULIERY)

Seara doméstica

Mesmo assim, os maiores desafios da campanha republicana ainda estão na seara doméstica. Trump não quer perder o pequeno mas barulhento eleitorado afrodescendente. Por isso se aproximou de nomes importantes da política americana, como Tom Scott, senador negro pela Carolina do Sul. Ele subiu ao púlpito da convenção republicana para fortalecer o discurso de Trump contra as manifestações do movimento Black Lives Matter. “Anarquistas tomaram as nossas ruas e os prefeitos democratas estão mandando a polícia se afastar”, afirmou. Os mesmos argumentos foram usados pelo filho do presidente, Donald Trump Jr. “O que aconteceu com George Floyd é uma vergonha. Se você conhece um policial, sabe que ele concorda com isso também. Mas não podemos perder de vista o fato de que nossos policiais são heróis americanos”, disse. No fundo, são só tentativas de ludibriar os fatos. A violência policial nos Estados Unidos contra a população negra ganhou repercussão mundial a partir do assassinato de George Floyd, no final de maio. O assunto, porém, não sairá de pauta tão cedo. No domingo, 23, Jacob Blake, um morador negro da cidade de Kenosha, em Wisconsin, levou sete tiros pelas costas, na frente dos três filhos. É o pesadelo americano que depõe contra Trump.

Uma louca filosofia de gestão

Desde que se sentou na cadeira de presidente dos EUA, Donald Trump só tem arrumado confusões. Causa alvoroços em Wall Street com suas mensagens no Twitter, promove eternas celeumas com políticos e com a imprensa, e não desiste do enfrentamento externo com a China. Localmente, ele tenta inverter os fatos, como fez no caso George Floyd, e minimiza a grande questão americana, o racismo. Trump cometeu o desatino de menosprezar o assassinato de um homem negro por um policial branco. Na política externa, ele distribui ameaças de sanções até para os aliados, como a Alemanha, que está construindo o gasoduto Nord Stream 2, em parceria com a Rússia. Nas negociações ele atua como um corretor de imóveis que quer vender um terreno no meio do pântano. Ludibria e engana de forma descarada. Culpou a China por todas as medidas erráticas que tomou perante a Covid-19 e foi incapaz de demonstrar o mínimo de humanidade diante da tragédia sanitária. Seu mentor intelectual, Steve Bannon, chegou a ser preso por corrupção. A loucura de Trump não tem limites. Após ser flagrado com a cabeleira esvoaçante, ele reclamou publicamente que não conseguia deixar os cabelos perfeitos por causa da pressão da água que sai de seu chuveiro. Diante dessa banalidade, o Departamento de Energia dos Estados Unidos começou a estudar uma forma de regular melhor a pressão dos aparelhos.