Trump decidir entrar no conflito Israel x Irã é ir contra o slogan ‘America first’

Especialistas ouvidos pela IstoÉ afirmam que possível decisão do republicano vai na contramão do que disse durante a campanha eleitoral: de não envolver os EUA em questões estrangeiras

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Declarações de Donald Trump levam especialistas a considerar a possibilidade de um "segundo efeito Iraque" Foto: Luma Venâncio/istoÉ

Há alguns anos, os Estados Unidos vêm adotando uma postura mais isolacionista e antiguerra. Donald Trump utilizou-se muito do discurso ligado à direita estadunidense durante a última campanha eleitoral: o “America first” (“América primeiro”), além de afastar o país dos problemas do mundo porque não são “necessariamente nossos”. A postura do republicano mudou a partir do dia 13 de junho, quando Israel deu início à “Operação Leão Ascendente” e bombardeou Teerã, capital do Irã.

Nos últimos dias, o presidente Trump empregou uma retórica cada vez mais ousada sobre um possível envolvimento dos EUA no conflito. Em 17 de junho, escreveu na rede social Truth Social que “agora temos controle total e completo dos céus do Irã”, após uma investida israelense. Ainda acrescentou que o líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, é um “alvo fácil” e destacou: “Não vamos eliminá-lo (matá-lo!), pelo menos não por enquanto”. Por fim, ordenou ao Irã que se rendesse incondicionalmente.

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No dia seguinte, 18 de junho, veio uma resposta do aiatolá Ali Khamenei, que rejeitou a rendição proposta pelo republicano. Em seguida, Trump afirmou que sua paciência com o Irã se esgotou: “Ela já acabou — é por isso que estamos fazendo o que estamos fazendo”, disse, sem dar muitos detalhes.

A possível escalada do conflito no Oriente Médio tem preocupado cada vez mais autoridades ao redor do mundo, que passaram a se emprenhar em uma saída diplomática. Tanto que, na sexta-feira, 20, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghci, se reuniu em Genebra, Suíça, com os ministros e seus pares da Alemanha, França, Reino Unido e a chefe da política externa da União Europeia, Kaja Kallas.

Antes disso, em 19 de junho, Trump deu um passo atrás na retórica adotada e afirmou, por meio de comunicado divulgado pela Casa Branca, que em até duas semanas deve tomar uma decisão final sobre o tema, pois ainda está avaliando os prós e contras de mobilizar os militares estadunidenses para atacar instalações atômicas iranianas bem protegidas em bunkers.

O que pensa a população dos EUA sobre isso?

Segundo o jornal “The Guardian”, uma pesquisa realizada pela Economist/YouGov entre os dias 13 e 16 de junho apontou que 53% dos entrevistados que votaram em Trump não apoiam o envolvimento dos EUA no conflito entre Israel e Irã, contra 19% que aprovam. O levantamento ouviu 1.512 pessoas, e a margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.

Uma outra consulta, feita em abril deste ano pelo Conselho de Assuntos Globais de Chicago e da Ipsos, mostrou que oito em cada 10 estadunidenses são a favor de medidas diplomáticas ou o endurecimento de sanções econômicas contra para limitar o enriquecimento urânio do Irã.

Além da reprovação da população, esse possível envolvimento dos EUA no conflito pode causar uma ruptura na base do republicano, segundo Kai Enno Lehmann, professor de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo), “porque tem muitos integrantes do movimento MAGA Make America Great Again (Torne a América Grande Novamente, em português) que são completamente contra novas guerras e o envolvimento norte-americano nelas”.

Essa repulsa por envolver os EUA em problemas que não os envolvem diretamente tem sido demonstrada por políticos republicanos. No dia 16 de junho, o deputado do Kentucky Thomas Massie escreveu no X: “Esta não é a nossa guerra. Mas se fosse, o Congresso deveria decidir tais questões de acordo com a nossa Constituição”.

Mais recentemente, o congressista republicano Tim Burchett disse à CNN no dia 18 que não queria ver o envolvimento dos EUA na questão do Oriente Médio.

“Não precisamos de outra guerra sem fim no Oriente Médio. Velhos tomam decisões e jovens morrem, e essa é a história da guerra”, afirmou.

‘Segundo efeito Iraque’

De acordo com a CNN estadunidense, a diretora de Inteligência Nacional dos EUA, Tulsi Gabbard, disse em março deste ano que o “Irã não está construindo uma arma nuclear, e o Líder Supremo [aiatolá Ali] Khamenei não autorizou o programa de armas nucleares que ele suspendeu em 2003”.

Trump contestou a afirmação de Gabbard e disse: “Não me importa o que ela disse. Acho que eles estavam muito perto de conseguir”.

O menosprezo de Trump ao que disse a diretora de Inteligência Nacional dos EUA incorre em uma outra preocupação: a possibilidade de um “segundo efeito Iraque”.

Para Paulo Hilu Pinto, coordenador do Núcleo de Estudo do Oriente Médio da UFF (Universidade Federal Fluminense), Israel parece ter um propósito com esse conflito: demonstrar sua superioridade militar e geopolítica na região. Já os EUA iriam contra seus próprios interesses com a possível entrada no conflito.

“Eles têm o Irã como grande adversário e, ao lado, o Iraque, um País enorme, populoso, em uma região central para a economia mundial por conta do petróleo”, explicou. “Então os EUA, embora estivessem em uma disputa geopolítica com o Irã, não tinha o interesse em um colapso do País”, acrescentou.

O risco de caos após uma eventual queda do regime iraniano devido a uma possível intervenção dos EUA é real. Visto o que aconteceu no Iraque, em 2003, com a queda do regime de Saddam Hussein que resultou em uma guerra civil, destruição da infraestrutura e desmantelamento da política externa do país.

“Por mais que o Irã e o Iraque sejam sociedades bem diferentes, uma possível intervenção direta militar pode sim gerar o efeito caótico de dissolução da ordem e de incerteza”, finalizou o especialista.