Pela primeira vez, um presidente americano tenta remover um diretor do Fed. Trump deseja a redução da taxa de juros e já ameaçou demitir o chefe da instituição.O presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou na segunda-feira (25/08) que demitiu Lisa Cook, diretora do Fed, o banco central americano, em uma escalada de suas investidas para tentar exercer maior controle sobre a instituição, que tem independência do governo e é responsável por definir a taxa básica de juros do país.
Desde que assumiu a Casa Branca, Trump também desferiu diversas críticas ao presidente do banco central, Jerome Powell, por não reduzir a taxa de juros de curto prazo, e chegou a ameaçar demiti-lo. Powell argumenta que, antes de reduzir os juros, o Fed quer avaliar como a economia americana responderá às tarifas de importação criadas por Trump, devido ao risco de elas elevarem a inflação.
A cautela de Powell enfureceu Trump, que exigiu que o Fed reduzisse os custos dos empréstimos para estimular a economia americana e a taxa de juros que o governo federal paga sobre sua dívida. O presidente americano também acusou Powell de administrar mal um projeto de reforma do prédio do banco central, no valor de 2,5 bilhões de dólares.
A diretora Lisa Cook, alvo atual de Trump, foi acusada pelo presidente americano de ter cometido fraude hipotecária, o que segundo ele seria uma justa causa para sua demissão. A alegação havia sido levantada na semana passada por Bill Pulte, nomeado por Trump para a Administração Federal de Habitação, uma agência que regula as gigantes do setor financeiro Fannie Mae e Freddie Mac.
Cook afirmou não ter a intenção de renunciar ao cargo e que vai contestar juridicamente a decisão do presidente. Em um comunicado, ela disse que "não há motivo legal" para Trump a demitir. "Seguirei cumprindo meus deveres para ajudar a economia americana, como venho fazendo desde 2022", disse.
Demitir o presidente do Fed ou um diretor da instituição ameaça a independência do Fed, há muito tempo apoiada pela maioria dos economistas e investidores de Wall Street.
As autoridades do banco central americano são nomeadas para mandatos fixos e podem ser removidas do cargo apenas por justa causa – mas a lei que regula o Fed não especifica as hipóteses concretas para isso, o que significa que qualquer decisão nesse sentido poderia acabar na Suprema Corte.
É a primeira vez que um presidente americano tentar remover um diretor do Fed.
Do que Cook foi acusada?
Em 2021, quando a atual diretora do Fed era uma professora universitária, ela comprou dois imóveis, um no estado da Georgia e o outro em Michigan. Nos documentos de hipoteca, ambos constariam como sua residência principal – uma declaração que, em regra, leva a juros de hipoteca mais baixos.
Ela ainda não forneceu uma explicação sobre o tema, mas em seu comunicado afirmou que estava "reunindo informações precisas para responder a qualquer questão legítima e apresentar os fatos."
Para que serve a independência do banco central
O Fed exerce amplo poder sobre a economia dos EUA. Ao reduzir a taxa de juros de curto prazo – o que normalmente é feito quando a economia esfria –, ele pode baratear os empréstimos e incentivar os gastos, acelerando o crescimento e a contratação de funcionários. Por outro lado, quando o Fed aumenta a taxa – para esfriar a economia e combater a inflação –, isso pode atrapalhar o crescimento e provocar demissões.
Muitos economistas preferem bancos centrais independentes porque eles podem tomar medidas impopulares para combater a inflação com mais facilidade. Nos EUA, a importância de um Fed independente consolidou-se após uma prolongada inflação alta na década de 70 e no início da década de 80.
Arthur Burns, que presidiu o Fed de 1970 a 1978, foi muito criticado por permitir que a inflação daquela época se acelerasse, sucumbindo à pressão do presidente Richard Nixon para manter as taxas de juros baixas antes das eleições de 1972. Nixon temia que taxas mais altas lhe custassem a reeleição, que ele venceu com uma vitória esmagadora.
Quando Paul Volcker foi nomeado chefe do Fed em 1979 pelo presidente Jimmy Carter, ele elevou a taxa de juros de curto prazo para um nível surpreendentemente alto, de quase 20% (hoje ela está em 4,3%). O aperto monetário provocou recessão, elevou o desemprego para quase 11% e estimulou protestos.
No entanto, Volcker não vacilou. Em meados da década de 80, a inflação havia caído significativamente. E a disposição de Volcker de causar dor à economia para conter a inflação passou a ser vista por muitos economistas americanos como um exemplo do valor de um Fed independente.
Investidores observam com atenção
É praticamente certo que uma tentativa de demitir Powell levaria à queda do preço das ações e a um aumento dos juros da dívida pública, que elevaria também os custos dos empréstimos para hipotecas, financiamentos de automóveis e dívidas de cartão de crédito. A taxa de juros do Tesouro americano de 10 anos é uma referência para as taxas de hipotecas.
A maioria dos investidores prefere um Fed independente, em parte porque ele normalmente administra melhor a inflação sem ser influenciado pela política, mas também porque suas decisões são mais previsíveis. Autoridades do Fed frequentemente discutem publicamente como alterariam as políticas de taxas de juros se as condições econômicas mudassem.
Se o Fed fosse mais influenciado pela política, seria mais difícil para os operadores do mercado financeiro anteciparem ou entenderem suas decisões.
Independência do Fed não significa que ele não preste contas
Os chefes do Fed são nomeados pelo presidente dos EUA para mandatos de quatro anos e precisam ser confirmados pelo Senado. O presidente também nomeia os outros seis membros da diretoria do Fed, que podem cumprir mandatos escalonados de até 14 anos.
Essas nomeações permitem que um presidente, ao longo do tempo, altere significativamente as políticas do Fed. Powell foi nomeado por Trump em 2018 e reconduzido para mais um mandato pelo ex-presidente Joe Biden , que nomeou no total quatro dos membros da atual diretoria: Powell, Cook, Philip Jefferson e Michael Barr. Uma quinta nomeada por Biden, Adriana Kugler, renunciou inesperadamente em 1º de agosto, cerca de cinco meses antes do fim de seu mandato.
Trump já indicou seu principal economista, Stephen Miran, como possível substituto de Kugler, embora seu nome precise ainda ser aprovado pelo Senado.
O mandato de Cook, que foi acusada pelo presidente de fraude hipotecária, termina em 2038, portanto forçá-la a sair permitiria a Trump nomear um aliado mais cedo.
O presidente americano poderá substituir Powell em maio de 2026, quando seu mandato expira. No entanto, 12 membros do comitê do Fed que define as taxas de juros têm direito a voto, e mesmo a substituição do presidente não garante que a política do Fed mudaria da maneira como Trump deseja.
Ao mesmo tempo, o Congresso dos EUA pode definir as metas do Fed por meio de legislação. Em 1977, por exemplo, ele deu ao Fed um "duplo mandato" para buscar tanto preços estáveis como o máximo de empregos. O Fed define preços estáveis como inflação de 2%.
A lei de 1977 também exige que o presidente do Fed preste esclarecimentos duas vezes por ano perante a Câmara e o Senado sobre a economia e a política de taxas de juros.
Trump poderia demitir Powell?
No início do ano, a Suprema Corte indicou, em uma decisão sobre outras agências independentes, que um presidente não poderia demitir o presidente do Fed apenas porque não gosta das escolhas políticas dele. Mas ele poderia removê-lo "por justa causa", o que normalmente é interpretado como algum tipo de irregularidade ou negligência.
É provável que essa seja a razão pela qual Trump tenha criticado a reforma do prédio do banco central, na esperança de que isso pudesse fornecer um pretexto "por justa causa". Ainda assim, Powell provavelmente resistiria contra qualquer tentativa de destituí-lo, e o caso poderia acabar na Suprema Corte.
bl/cn (AP, Reuters)