O confronto que era anunciado aconteceu: o presidente americano Donald Trump ameaçou nesta quarta-feira (25) a Espanha com uma retaliação comercial por não querer gastar 5% de seu PIB em Defesa, objetivo estabelecido pela Otan em sua cúpula em Haia.
“A Espanha é o único de todos os países que se recusa a pagar”, declarou o presidente republicano em uma coletiva de imprensa. “Querem se manter nos 2%, e acho isso terrível. Sua economia está indo muito bem, mas poderia despencar.”
“Vamos negociar com a Espanha um acordo comercial, e vamos fazê-los pagar o dobro. Estou falando sério”, enfatizou.
Sob pressão de Trump, Europa e Canadá aceitaram nesta quarta-feira esse ambicioso objetivo, que implicará em um aumento histórico do gasto militar ao longo da próxima década para assumir de forma mais significativa sua própria segurança.
Sánchez chegou à cúpula com uma posição divergente, afirmando que conseguiu pactuar com o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) um caminho flexível, com gastos de 2,1% do PIB.
Segundo ele, esse patamar é suficiente para garantir as capacidades que a Aliança pede a Madri.
Um argumento que, desde o início, não agradou a Trump, que na terça-feira havia classificado a posição espanhola como “problemática” e “injusta” para o resto da Aliança, após alertar no fim de semana que a Otan teria que “lidar com a Espanha”.
Fiel ao que antecipou, Sánchez não bloqueou nesta quarta o consenso entre aliados em Haia, já que, em troca, sustentou que foi respeitada a “soberania” de sua proposta.
Mas defendeu firmemente sua posição em uma coletiva de imprensa posterior à cúpula, na qual chegou a dizer que aceitar a meta dos 5% para a Espanha teria sido um “erro absoluto”.
“O debate não é sobre quanto vamos gastar. Uma aliança se baseia em quais capacidades precisamos que cada Estado-membro ofereça”, disse.
Um exercício de equilíbrio diplomático que não convenceu Trump – “eles deveriam se juntar a todos esses países que estão pagando os 5%”, insistiu nesta quarta.
Sem reuniões bilaterais e silencioso na foto em grupo, ao lado de seus colegas, o líder espanhol manteve um perfil muito discreto na cúpula de terça e quarta-feira em Haia. Ele próprio reconheceu que nem cumprimentou nem falou com Trump, algo que, segundo ele, foi “casual”.
Em 2024, a balança comercial entre os dois foi favorável aos Estados Unidos, um país com o qual a Espanha acumulou em 2024 um déficit de 10 bilhões de euros (64,4 bilhões de reais), de acordo com dados oficiais.
A principal exportação espanhola para os Estados Unidos são produtos químicos – medicamentos, produtos farmacêuticos e químicos orgânicos – e bens de equipamentos e maquinaria, além de produtos agrícolas, como azeite de oliva.
Por sua vez, a Espanha importa dos Estados Unidos sobretudo petróleo, produtos químicos e gás natural liquefeito.
À luz dos dados bilaterais, a ameaça de Trump é duplamente problemática, já que, justamente, em sua declaração final, a Aliança compromete-se a “trabalhar para eliminar as barreiras comerciais relacionadas à Defesa” entre seus integrantes.
Sem mencionar a Espanha, o presidente francês, Emmanuel Macron, abordou a questão ao fim da cúpula.
“Não podemos dizer, entre aliados, que temos que gastar mais (…), e travar uma guerra comercial dentro da Otan, isso é uma aberração”, declarou Macron, que instou a “alcançar rapidamente um acordo”.
Embora Trump tenha admitido que as conversas com a União Europeia (UE) “não estavam indo a lugar nenhum”, ambas as partes adotaram uma trégua até 9 de julho em suas tarifas cruzadas para dar uma oportunidade ao diálogo.
O presidente socialista governa em coalizão com partidos de esquerda radical e formações nacionalistas bascas e catalãs relutantes em aumentar os gastos militares.
No poder desde 2018, Sánchez atravessa um momento político difícil no âmbito interno, e foi enfraquecido recentemente por um escândalo de corrupção envolvendo duas figuras muito próximas, o ex-número 3 de seu partido, Santos Cerdán, e seu ex-ministro dos Transportes, José Luis Ábalos.
Sánchez calculou que a meta de 5% representaria mais de 300 bilhões de euros (1,9 trilhão de reais) nos próximos dez anos. Um montante que, segundo ele, ameaça os gastos sociais, obrigaria o país a aumentar impostos e até sacrificar contribuições para ajuda internacional.
A Espanha abriga duas bases militares da Otan, em Morón e Rota, mas, devido à sua posição geográfica, não se sente diretamente ameaçada pela Rússia.
No ano passado, foi quem menos gastou proporcionalmente de toda a Aliança, 1,24% do PIB, e este ano deve atingir os 2%, a meta vigente até agora e estabelecida uma década atrás.
avl/ahg/mb/ic