Países europeus discutem possíveis cenários para envio de militares à Ucrânia num acordo de paz. Mas medida, que visa dissuadir a Rússia de uma nova agressão, também arrisca arrastá-los para uma guerra.Líderes europeus fizeram uma impressionante demonstração de unidade ao acompanhar o presidente ucraniano Volodimir Zelenski em sua visita recente a Donald Trump nos Estados Unidos, defendendo a necessidade de garantias de segurança para a Ucrânia.
Mas o caminho à frente será mais difícil, à medida que definirem os detalhes de sua contribuição para a paz. Um dos temas mais sensíveis na mesa é um possível envio de tropas à região.
"Eles estão dispostos a colocar pessoas em campo", declarou Trump à emissora Fox News na terça-feira (19/08), após se reunir com potências europeias.
Desde a ida dos europeus à Casa Branca, houve diversas reuniões da chamada "coalizão dos dispostos" – um grupo de mais de 30 países que inclui Alemanha, França e Reino Unido. Alguns deles chegaram a afirmar que estariam dispostos a enviar tropas.
Mas como seria isso na prática – e o que significaria para a Ucrânia e a Europa?
A Europa enviará forças de paz?
Tradicionalmente, as forças de paz vêm de Estados neutros e atuam em funções não combatentes.
"Um papel de manutenção da paz é o mais próximo do sistema da ONU. Essas forças observam as partes em conflito em uma situação tensa após um cessar-fogo", explica Rafael Loss, especialista em defesa e segurança do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR).
"Conceitualmente, não acho que esse papel se encaixe no que os ucranianos querem e em como os europeus se veem. Eles não são neutros neste conflito e querem ser vistos ao lado da Ucrânia", pontua.
O uso da força por parte de forças de paz é estritamente regulado por regras de engajamento específicas de cada mandato, e pode incluir autodefesa e proteção de civis.
No contexto da guerra na Ucrânia, a presença de forças de paz se resumiria a missões de observação, "exigindo milhares de soldados de paz levemente armados", segundo Loss.
Essas tropas seriam posicionadas ao longo das fronteiras acordadas após um tratado de paz entre Ucrânia e Rússia, e atuariam como observadores, fiscalizando o cumprimento de um cessar-fogo, mas sem se engajar num combate.
A Europa enviará instrutores?
Especialistas ouvidos pela DW apontam que muitos países europeus se sentiriam mais confortáveis em enviar algumas centenas ou milhares de instrutores.
"As tropas poderiam ser estacionadas em uma função de aconselhamento para modernizar as estruturas militares da Ucrânia e alinhá-las aos padrões e procedimentos da Otan", afirma Loss.
Essas tropas também estariam presentes em funções não combatentes e treinariam soldados ucranianos para lutar e operar equipamentos ocidentais especializados.
Para especialistas, essa ajuda tornaria o aparato de defesa ucraniano mais eficiente e também mudaria a cultura geral de defesa, aproximando-a de práticas e normas ocidentais – hoje, os militares ucranianos são mais inspirados por seu passado soviético.
"Um dos efeitos culturais seria mudar o estilo de comando. Os ucranianos trabalhavam com sistemas amplamente baseados no modelo soviético e agora estão migrando para sistemas baseados na Otan, que privilegiam a iniciativa em vez da hierarquia", detalha Loss.
Mas ninguém acredita que forças de paz ou instrutores bastariam para dissuadir a Rússia de um novo ataque.
Tropas europeias como elemento de dissuasão
Outra opção debatida pelos europeus é o envio à Ucrânia de uma força pronta para o combate – não com o objetivo de enfrentar a Rússia, e sim como elemento de dissuasão.
"Se você tem a presença de um contingente significativo, isso por si só já representa dissuasão", afirma Guntram Wolff, especialista em assuntos exteriores do think tank Bruegel, em Bruxelas.
Em um artigo recente, o Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP) diz que o objetivo "não seria defender a Ucrânia em caso de agressão, mas dissuadir a Rússia ao estacionar uma presença militar europeia que baste".
Mas isso poderia exigir um grande número de soldados – até 150 mil.
De acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo, a União Europeia e o Reino Unido têm atualmente quase 1,5 milhão de militares na ativa. Mas muitos governos hesitam em retirar soldados de missões nacionais ou de planos de defesa da Otan contra um ataque direto ao território da aliança.
"O remanejamento de forças criaria lacunas nos planos atuais da Otan, que teriam que ser adaptados", afirmam os pesquisadores Claudia Major e Aldo Kleemann em artigo publicado pelo SWP.
Especialistas também elencam outras preocupações: soldados europeus simplesmente não têm tanta experiência de combate quanto os russos, e sua "efetividade é prejudicada pela falta de um comando unificado", já que os exércitos permanecem subordinados a seus respectivos governos, como observou o Bruegel num estudo publicado em fevereiro.
Loss, do ECFR, acrescenta que enviar um número tão grande de tropas para um conflito seria politicamente indigesto.
"Há enormes divergências entre os países europeus sobre o envio de tropas", diz Andre Hartel, chefe do escritório do SWP em Bruxelas. "A Alemanha não considera isso como parte de garantias de segurança."
A Itália também descartou enviar tropas à Ucrânia.
Outra ideia é enviar menos tropas europeias, que funcionariam como uma espécie de gatilho de defesa.
"Você pode enviar de 5 mil a 10 mil soldados, mas se alguém for ferido isso envolveria todo o continente europeu e, portanto, pressupõe-se que a Rússia não atacaria", diz Wolff.
A presença de tropas europeias envolveria a Otan na guerra?
Em qualquer um desses cenários, existe o risco de que os soldados sejam atingidos por tropas russas ou mortos em ataques de drones e bombardeios.
No entanto, a mera presença de tropas europeias no terreno não necessariamente significaria o envolvimento da Otan como aliança.
E como Trump já disse que qualquer presença militar ocorrerá fora da Otan, os aliados não estariam, de fato, em guerra com a Rússia – ainda que tropas europeias fossem atacadas por forças russas.
"É improvável que a Otan responda como aliança. Mas haverá consultas", opina Loss. "Não há obrigação legal de fazer nada. A forma como o tratado [da Otan] é redigido permite que a resposta seja qualquer coisa que os aliados considerem apropriada."
Especialistas acreditam que qualquer resposta potencial dos países envolvidos na coalizão provavelmente seria limitada e específica em cada situação.
"Se houver, digamos, apenas um acidente, isso é uma coisa", diz Wolff, do Bruegel. "Se for um ataque deliberado e massivo [contra tropas europeias], então haveria uma resposta diferente."
A avaliação é de que, embora vários governos europeus estejam simulando cenários do tipo, a questão do envio de tropas é um dilema: além de arriscado, pode, a despeito de toda a cautela, acabar arrastando seus países para uma guerra que eles queriam evitar.