Sob uma nova bandeira, a tremular no Palácio do Planalto desde o anúncio da intervenção federal no Rio, o presidente Michel Temer resolveu constituir um esquadrão de elite à altura de seus ambiciosos planos. Compõem a tropa o novo ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, e os recém-empossados Rogério Galloro, diretor-geral da Polícia Federal, e o general Joaquim Silva e Luna, ministro da Defesa. Caberá a eles não apenas combater a impiedosa escalada da violência no Brasil, mas colocar em marcha a arrojada meta de reformar as forças de segurança. Para um País carente de um projeto nacional de segurança pública, e em que os Estados se mostram de mãos atadas para enfrentar o crime organizado, não é pouco. Por isso, cumprido ao menos parte do objetivo, Temer terá turbinado o motor de seu destino: emergirá, provavelmente, como um dos senhores da própria sucessão, a mais acirrada desde 1989. Na quarta-feira 28, o capitão escolhido pelo presidente, ministro Raul Jungmann, adentrou o auditório Tancredo Neves do Ministério da Justiça para dar sua primeira entrevista coletiva acompanhado dos homens que escolheu para a sua equipe, a quem atribuiu como principais qualidades a “lealdade” e a “confiança”. O político Jungmann, fundador e filiado ao PPS, reuniu ao seu redor um corpo estritamente técnico. Ficou claro que ficará somente com ele mesmo os maneirismos da política. O restante dos seus assessores é gente preparada para tratar os complexos problemas da segurança pública brasileira com rigor estratégico e informações de inteligência.

Ao intervir na segurança pública para reduzir a violência, Temer deseja criar um novo pacto federativo, com mais responsabilidades para a União

Estratégia e inteligência

A mistura do passado comunista com a ascendência militar tornam o novo ministro da Segurança Pública uma mistura singular de humanista com capacidade de liderança para lidar com as forças que terão a difícil tarefa de diminuir os alarmantes índices de criminalidade do país. Ao lado de Jungmann como seu principal assessor na nova pasta estará o general de divisão da reserva do Exército Carlos Alberto Santa Cruz. O general já ocupava no governo o cargo de secretário Nacional de Segurança, no Ministério da Justiça. A secretaria passa para o novo ministério e Santa Cruz continuará à frente dela, mas passa a acumular também a Secretaria Executiva de Jungmann. O gaúcho da cidade de Santa Cruz tem a mesma idade do superior imediato. No seu currículo, está o comando da Força de Paz da Organização das Nações Unidas no Haiti, entre 2006 e 2009, quando liderou no país do Caribe uma tropa de 12 mil homens. As ações na Cité Soleil, região do Haiti que era dominada por gangues, assemelha-se ao que se enfrentará no Rio de Janeiro com a intervenção federal. “Aparentemente mais fácil lá do que aqui”, disse o general a ISTOÉ. A Cité Soleil é uma região plana. Os morros do Rio com sua urbanização desorganizada serão um desafio maior. “Mas nada que não possa ser enfrentado com organização, estratégia e inteligência”, complementa o general.

Polícia Federal repaginada

Como ministro da Segurança Pública, Jungmann coordenará e promoverá a integração dos serviços de segurança pública em todo território nacional em parceria com os entes federativos. Ele será responsável pela Polícia Federal, que sai debaixo das asas do ministério da Justiça, Polícia Rodoviária Federal, Força Nacional de Segurança Pública e Departamento Penitenciário Nacional. Como primeira medida, Jungmann decidiu trocar o diretor-geral da Polícia Federal: saiu Fernando Segovia e suas atrapalhadas declarações em defesa de Temer nos três meses em que ficou no cargo, e entrou Rogério Galloro. Ex-braço-direito de Leandro Daiello quando era diretor da PF, Galloro é a expressão do perfil mais técnico que se pretende dar à segurança. A nova Polícia Federal subordinada a Jungmann ampliará seu papel, não se limitando às investigações e operações contra a corrupção. Estas permanecerão, mas uma repaginada PF emergirá como uma tropa de elite capaz de investir em ações de inteligência e na salvaguarda de fronteiras, dentro de um contexto em que a Segurança Pública é pensada como uma política de Estado. A intenção é, sem passar pelo crivo do Congresso, promover uma reformulação nas forças de segurança do País. “Nosso principal objetivo é a universalização do direito à segurança”, afirmou o ministro. O orçamento da pasta será de R$ 2,7 bilhões.

Na avaliação do governo, a solução definitiva para a questão da segurança só virá com uma mudança constitucional que redefina os papeis federal e estadual no tema. Quando a Constituição de 1988 foi promulgada, houve grande preocupação de retirar ao máximo os militares das questões internas relacionados à segurança. Durante a ditadura, ações militares eram justificadas dentro do que se chamava de Doutrina de Segurança Nacional. Na verdade, tratava-se de um instrumento para justificar a repressão política e a prisão de opositores do regime. Como reação a isso, a Constituinte estabeleceu que a responsabilidade sobre a segurança pública ficaria inteiramente nas mãos dos estados e suas polícias. Ocorre, avalia o governo, que desde então, o crime internacionalizou-se e sofisticou-se. E os estados, afundados em dívidas e com graves problemas financeiros, não têm mais capacidade de fazer esse enfrentamento sozinhos.

A PF ampliará seu papel, não se limitando a ações de combate à corrupção. A nova orientação do governo visa desenvolver ações de inteligência nas fronteiras

Diante dessa nova realidade, é preciso, imagina o governo, planejar um novo pacto federativo em torno da segurança. O Ministério da Segurança Pública é a porta para o amadurecimento dessa discussão. “A Constituinte de 1988 alocou nos estados praticamente 90% da responsabilidade com a segurança pública. A União ficou com o residual. Isso precisa ser revisto”, afirmou Jungmann. Uma ideia que virá na sequência é a formação de uma Força Nacional de Segurança permanente, nos moldes da Guarda Nacional que existe nos Estados Unidos, bem mais ampla e melhor estruturada do que a Força Nacional, que é constituída por policiais militares cedidos pelos estados, em caráter provisório. Além disso, haverá uma definição mais clara do papel das Forças Armadas e da própria Polícia Federal na questão da segurança, reforçando a vigilância das fronteiras, por onde entram as armas e drogas que abastecem o crime o organizado, além de esclarecer a forma de atuação dos militares quando houver uma intervenção federal, como acontece atualmente no Rio de Janeiro. Se der certo, o tiro de Temer ficará como um legado cravejado na história. É tudo o que ele quer para, quem sabe, virar o agente político da própria sucessão. Cabo eleitoral ele já é.

As dez medidas de Jungmann

1 – Orçamento de R$ 2,7 bilhões, estrutura enxuta e sem contingenciamento
2 – Acelerar a construção de novos presídios
3 – As unidades deverão seguir o modelo das penitenciárias federais, com parlatórios que gravem as conversas dos presos com
as visitas
4 – Criação de uma Força Nacional permanente
5 – Concurso público para contratação de 500 agentes da PRF e 500 da PF
6 – Duplicar o contingente da PF em postos de vigilância nas fronteiras
7 – Alocar 20 delegados da PF nas áreas de combate à corrupção
8 – Aumento dos postos de videomonitoramento da PRF
9 – Plantão voluntário: compra das horas de folga dos policiais rodoviários federais
10 – Parceria com os estados para manter o maior número possível de policiais nas ruas