Desde a redemocratização do Brasil, a troca de poder, pelo menos por parte dos governantes eleitos, tem acontecido de forma pacífica na capital federal. O primeiro dia do próximo ano, porém, poderá ser um ponto fora da curva na história recente do País. Além de marcar oficialmente o fim do governo Bolsonaro, a posse de Lula também marca o ineditismo de, pela primeira vez, um presidente assumir o Planalto pela terceira vez. Bolsonaro, por sua vez, também possui um feito inédito: é o primeiro a não ser reeleito desde 1985. Por não reconhecer a própria derrota, o atual mandatário tem insuflado sua base de apoiadores com silêncios e lágrimas estratégicas, na esperança de que com isso alguma ala militar interceda em seu favor – algo que não deve acontecer na escala necessária para o fomento de um golpe de Estado. Isso, no entanto, não significa que Bolsonaro não vá ensaiar algum ato final, começando pela sua provável ausência na hora de passar a faixa presidencial ao seu sucessor.

O rito que prevê discurso, juramento à Constituição, cumprimentos, descida da rampa e uma salva de canhão será diferente em 2023. A posse, tanto de Lula, do PT, como de seu vice Geraldo Alckmin, do PSB, terá o toque da futura primeira-dama, a socióloga Rosângela Silva, a Janja, que organizou o “Festival do Futuro”. O evento musical chega a lembrar o porte de um festival como o Rock in Rio, que atrai cerca de 100 mil pessoas em seu palco principal, anuncia 42 atrações confirmadas, entre elas Fernanda Takai, Zélia Duncan, Gaby Amarantos, Maria Rita, Martinho da Vila, Odair José e Pabllo Vittar. À frente da organização, Janja confirmou a expectativa de que 350 mil pessoas de todas as partes do Brasil participem das festividades.

O evento vem sendo planejado para garantir que não ocorram incidentes, mas há temor nos bastidores. A própria socióloga, ao revelar que o tradicional veículo usado no evento – o Rolls-Royce presente da rainha Elizabeth – estaria danificado, impedindo o desfile de Lula em carro aberto, pode ter dado o sinal de que essa parte do ritual deve ser deixada para trás, principalmente por questões de segurança. Além de membros dos Três Poderes, também são esperados ao menos 19 chefes de Estado e de governo de todo o mundo. Um número já bastante superior de presidentes e primeiros-ministros confirmados em relação à cerimônia de Jair Bolsonaro em 2019, que teve a presença de 10 chefes de Estado. Segundo membros do Ministério das Relações Exteriores ouvidos pela reportagem, o cerimonial está sendo estruturado com máxima segurança e todas as delegações terão escolta policial reforçada.

“LULAPALOOZA” Montagem do palco em Brasília: shows começam ao meio-dia, seguidos da solenidade no Planalto às 17h (Crédito:WILTON JUNIOR)

Apesar de não revelar detalhes da operação, a segurança do Supremo Tribunal Federal (STF), um dos principais alvos dos golpistas, será reforçada com efetivo igual ou superior ao empregado nas festividades de Sete de Setembro. Ou seja, bloqueio do acesso à Corte, fiscalização do espaço aéreo e imensa participação humana. O secretário de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), Júlio Danilo, afirma que o planejamento definitivo do evento ainda não está fechado. “Existe um monitoramento constante, inclusive de redes sociais, feito pelos órgãos de inteligência da segurança pública do Distrito Federal, com apoio dos órgãos federais, que visa antecipar possíveis atos e manifestações no dia da posse”, disse à ISTOÉ. Ele afirma que, apesar de esperar o melhor, está preparado para todos os cenários. “Tenho plena confiança nos profissionais de segurança pública do DF, que estarão atuando em sua capacidade máxima, e que vêm demonstrando alta aptidão técnica em eventos dessa natureza.”

Foco nas caravanas

Embora os atos de vandalismo de um grupo bolsonarista que provocaram terror na capital federal após a diplomação de Lula e Alckmin inspirarem receio, a aposta é a de que esse cenário não se repita, já que o esquema de segurança deverá abranger toda a região da Esplanada e o setor de hotéis. Haverá ainda diversos postos da Polícia Rodoviária Federal (PRF) espalhados pelas estradas que dão acesso à capital, não só para controle, mas também para facilitar as centenas de caravanas que devem chegar à cidade para acompanhar a cerimônia. Segundo Fabrício Rosa, policial rodoviário fundador da organização Policiais Antifascismo e membro de um dos grupos de trabalho da Transição de governo, há mais de 800 caravanas de todo o Brasil cadastradas para assistir à cerimônia de posse. Isso sem contar as pessoas e grupos que irão por iniciativa própria. “Bolsonaristas são covardes e só agem quando têm a certeza de impunidade, o que não será o caso”, diz. Na avaliação geral de apoiadores de Lula, o próprio tamanho da festa será o suficiente para desmobilizar os grupos ainda inconformados com a derrota de Bolsonaro.