São Paulo perdeu na quarta-feira, 19, mais uma sala de cinema de rua. O Cinearte, localizado no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, fechou as suas portas em definitivo, por falta de patrocínio. O filme que encerrou as atividades foi Parasita, dirigido por Bong Joon-Ho. No entanto, a estrela principal da noite não era o longa, mas sim a sala.

Pelo menos 50 pessoas, mais a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, acompanharam a exibição do filme sul-coreano vencedor de quatro estatuetas do Oscar. O filme foi exibido na sala 1, com seu clássico piso de taco, que comporta 300 espectadores.

Tudo transcorreu conforme o script: cheiro de pipoca, uma ou outra pessoa no celular, trailers anunciaram os futuros lançamentos. Ninguém, porém, verá esses filmes no Cinearte.

“Temos uma relação de afeto com esse cinema”, disse o advogado Felipe Souza, de 28 anos, que foi assistir à última sessão do Cinearte com a servidora pública Larissa Freitas, de 26 anos. “A cidade perde um aparelho cultural, perde uma opção de filmes diferenciados”, disse ela, com os olhos marejados.

O casal já havia assistido a Parasita, mas decidiu repetir a dose quando ficou sabendo do fechamento do Cinearte. “Enquanto todos os cinemas estavam lotados só com Vingadores, esse foi um ponto de resistência. É preciso ter essa diversidade”, completou Souza.

A bilheteira Ana Maria Gomes, de 56 anos, que vendeu os últimos ingressos do Cinearte, estava com a voz embargada quando contou que os funcionários ficaram sabendo no mesmo dia sobre o fechamento do cinema. “Mas eu não quero mais falar nada, não”, disse.

Outra frequentadora do Cinearte, Clara Vasconcelos, de 52 anos, estava com os olhos vermelhos quando começou a falar sobre o fechamento da sala. “Não é só esse, é uma série de cinemas de rua que vêm fechando e as pessoas são cada vez mais obrigadas a ir para os shoppings”, reclamou. “Eu, que gosto de cinema, vou cada vez menos, porque não gosto de ir a shopping”, disse.

O distribuidor Adhemar Oliveira, responsável pelo circuito, não dá grandes esperanças para o retorno das atividades. “Chega uma hora em que não é possível continuar”, disse, já resignado. Para ele, os cinemas de rua cumprem um papel muito importante de ampliar a variedade de filmes disponíveis na cidade.

“Nem sempre passamos um sucesso de bilheteria aqui, mas mesmo assim continuamos exibindo. Se for para passar blockbuster, é melhor abrir um multiplex”, afirma Oliveira. “Eu entrei no cinema por paixão, não por negócio”, afirmou.

Diversidade

Entre os espectadores que acompanharam a última sessão do Cinearte estava a produtora Assunção Hernandes, que lamentou o fechamento das salas: “É um empobrecimento para São Paulo. Os cinemas de rua têm um acesso melhor e mais democrático, são um espaço de convivência e, principalmente, oferecem uma programação de qualidade. Trazem filmes que contribuem para a nossa vida, que precisam ser assistidos”, disse.

O cinéfilo Aureliano Lazino lamenta os fechamentos de cinemas de rua, e se lembra de quando assistiu o primeiro Star Wars, em 1977, em um cinema na Avenida Ipiranga. Ele foi assistir à penúltima sessão do Cinearte (Judy: Muito Além do Arco-íris, de Rupert Goold) com a filha, quando soube da notícia. “Sou da época em que a gente lia a crítica do jornal fixada na parede do cinema. Era uma outra época, hoje em dia não tem mais nada disso”, disse ele, nostálgico. A cidade já teve pelo menos 300 salas espalhadas pela sua área central.

“O sentimento é de tristeza”, resume um dos funcionários, que pediu para não ser identificado. “O cinema de rua é diferente, é um público diferenciado. Aqui tem funcionários com mais de 20 anos de casa.”

O fim do Cinearte ocorre quase um ano após o anúncio de que a Petrobrás deixaria de patrocinar suas duas salas de exibição – e quase 57 anos após a inauguração do cinema, então chamado Cine Rio, com 500 lugares. Após um hiato de quatro anos, o conjunto ganhou vários nomes: Cine Arte Um, Cine Arte, Cine Bombril e Cine Livraria Cultura. Atualmente, o custo mensal era de aproximadamente R$ 200 mil, entre condomínio, aluguel e energia.

No entanto, há uma esperança: no mercado, comenta-se que a rede Cinépolis estaria interessada em ocupar as duas salas no Conjunto Nacional, mas não há, ainda, confirmação.

O escritor Larry McMurtry, em A Última Sessão de Cinema (1966), levado às telas em 1971 por Peter Bogdanovich, mostra a decadência de uma cidadezinha do interior do Texas, tendo como fio condutor a vida social dos jovens do vilarejo em torno de um cinema que está prestes a fechar. No caso de São Paulo, é a Avenida Paulista, coração da maior cidade do País, que mostra também um tanto de agonia com o fechamento de uma das suas salas de cinema mais charmosas da cidade.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.