O tricampeão olímpico José Roberto Guimarães deu uma prova de amor ao Barueri, projeto idealizado e dirigido por ele, ao recusar propostas financeiramente atraentes da Europa para não deixar o “filho” desamparado.

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Há 19 anos no comando da Seleção feminina, Zé Roberto foi procurado este ano por dirigentes turcos e russos. Um deles, da Rússia, levou até contrato para o brasileiro assinar. O Fenerbahce, da Turquia, que já tem Ana Cristina e contará com Macris na próxima temporada, foi outro interessado.

Mas o treinador entendeu que a saída para o exterior poderia significar o fim da equipe paulista, importante laboratório para a renovação do vôlei brasileiro, uma vez que ele é o responsável por correr atrás de investidores.

José Roberto Guimarães

O técnico José Roberto Guimarães (Foto: Divulgação/FIVB)

– Sempre acontecem consultas no meio da temporada. Mas eu sei que se eu sair do Barueri, será um problema, pelo fato de eu estar ali correndo atrás de patrocínio – afirmou o comandante, ao LANCE!.

O técnico tenta a cada ano ampliar o leque de apoiadores tanto para o time adulto quanto para as categorias de base, mas ainda não consegue sustentar o projeto sem utilizar do próprio dinheiro.

A equipe anunciou no dia 17 de maio a Zaiden como nova fornecedora de materiais esportivos, conquista importante para aliviar despesas e buscar maior aproximação com os fãs. Zé conta com o suporte de sua filha, Anna Carolina, na direção do grupo.

– Hoje, está muito difícil. Mas a gente vai tentando, ajuda de um lado, do outro, com pires na mão. Temos de dar um jeito de continuar, porque temos as categorias de base, desde o sub 14 até o sub 21, e depois o adulto. Do nosso time principal, 50% das atletas são das categorias de base. Temos esse DNA e tratamos com muito carinho. Minha saída (para o exterior) implicaria possivelmente no término do projeto, e ele é uma razão de viver minha e da minha família – disse o paulista de 67 anos.

O Barueri se classificou para os playoffs da última Superliga e, assim como nos últimos anos, abriu espaço para jovens valores da modalidade mostrarem seu talento. A rotina é sempre a mesma. Elas se destacam sob o comando do treinador e se valorizam no mercado.

Lorrayna, um dos nomes da nova geração que brilhou em Barueri (Foto: Orlando Bento/MTC)

Lorrayna, um dos nomes da nova geração que brilhou em Barueri (Foto: Orlando Bento/MTC)

São os casos da levantadora Jacke, que vai para o atual bicampeão brasileiro Itambé/Minas, da central Lorena e da ponteira Karina, acertadas com o Sesi Vôlei Bauru, da líbero Laís, de saída para o Sesc RJ Flamengo, e da oposto Lorrayna, que tem propostas de Polônia e Itália. A central Diana é a única das titulares que permanecerá no time para 2022/2023.

CONFIRA A PRIMEIRA PARTE DA ENTREVISTA COM ZÉ ROBERTO

Proteção aos clubes formadores: uma urgência

O processo de montagem da equipe para a próxima temporada tem sido desafiador. Além de jovens formadas na base do Barueri, como a ponteira/oposta Jheovana, de 21 anos e 1,94m, e a ponteira Ana Rüdiger, de 19, ele recorreu a atletas experientes, como a levantadora Carol Leite, de 29, que estava no Pinheiros, e as ponteiras isabela Paquiardi, de 30, que estava no Brasília, e Maiara Basso, de 26, que retorna da França. A líbero Paulina segue no grupo. A central Luzia Nezzo, de 18 anos e 1,97m, é outra aposta.

Até mesmo jovens nomes da nova geração, como a central Julia Kudiess, do Itambé/Minas e da Seleção Brasileira, se tornam inviáveis no momento. A atleta está determinada a se formar em Administração pela PUC-MG, fator que pesa a favor de sua renovação.

– A Julia, assim que se formar e se colocar disponível para o mercado, terá propostas de muita gente. E não vamos conseguir brigar no dinheiro. Bem como todas essas jogadoras que saíram do projeto. É muito difícil repatriá-las, porque já estão em outra dimensão, outro patamar. Eu sinto muito. Em três anos, nós perdemos 16 jogadoras – lamenta Zé Roberto.

O comandante, que já fez publicamente diversos apelos por patrocínio, segue dedicado a procurar parceiros que somem ao Barueri. E defende uma proteção da legislação brasileira para os clubes formadores, como acontece no futebol. O mecanismo de solidariedade da Fifa prevê pagamentos aos clubes formadores dos jogadores em suas negociações futuras.

– Precisamos urgentemente começar a ver junto com o governo a possibilidade de termos uma Lei do Passe. Não só por causa de Barueri, não, mas de todos os clubes formadores, em que a jogadora atua um ano e, no seguinte, está em outro lugar. O clube formador teria de ter uma ajuda, algum retorno para a continuidade das gerações futuras – defende Zé, para quem o exemplo da Itália é um bom caminho:

– Acho que tinha de ter uma coisa parecida com o futebol, com a Lei Pelé, como lá fora. A Itália tem o cartellino, que é o passe. Aqui no Brasil também temos de pleitear uma lei que regulamente isso para que todo clube formador, como no futebol, tenha sua compensação. Isso ajudaria muito na continuidade. Eu estive em vias de desistir. Só não desisti porque olhava para o rosto de cada uma e via que tinha de continuar dando forças. Mas pesa, principalmente você tirando dinheiro do bolso todo mês. Tenho parceiros que me ajudam, mas ainda não é o suficiente – explicou Zé.