ROMA, 30 OUT (ANSA) – As tensões entre o governo italiano e o judiciário reacenderam nesta quinta-feira (30) após o Tribunal de Contas rejeitar a aprovação do projeto de 13,5 bilhões de euros (valor equivalente a R$ 86 bilhões) para construir a ponte suspensa mais longa do mundo, que vai ligar a Península Itálica à ilha da Sicília.
Sonhada há 50 anos, a obra é uma bandeira do vice-premiê e ministro da Infraestrutura e dos Transportes, o nacionalista Matteo Salvini, mas foi recusada pelo tribunal, que apontou irregularidades jurídicas no decreto de aprovação emitido pelo Comitê Interministerial para Programação Econômica e Desenvolvimento Sustentável (Cipess), órgão chefiado pela premiê Giorgia Meloni.
A decisão provocou uma resposta imediata do governo da primeira-ministra da Itália, que convocou uma reunião de emergência para esta quinta-feira (30) e garantiu que vai avançar com a iniciativa.
Meloni classificou o parecer como “mais um ato de intromissão judicial nas decisões do governo e do Parlamento”, e afirmou que os ministérios envolvidos “responderam detalhadamente a todos os pontos levantados”.
A premiê também ironizou uma das críticas do Tribunal, que questionou o envio de documentos oficiais por meio de links digitais. “Será que os juízes do Tribunal de Contas desconhecem a existência de computadores?”, provocou.
Já Salvini, que também esteve presente na cúpula, afirmou que o executivo vai esclarecer, “ponto por ponto”, as dúvidas levantadas pelo tribunal, e que as obras “vão começar em fevereiro” próximo.
O ministro de Infraestrutura foi ainda mais incisivo e qualificou a decisão como “um ataque político e um grave prejuízo para o país”.
Já o chanceler da Itália e também vice-premiê, Antonio Tajani, afirmou estar “estarrecido” com a decisão, considerando “inaceitável que magistrados contábeis decidam quais projetos são estratégicos para a nação”.
Do outro lado, a oposição e entidades judiciais reagiram às críticas do governo. A líder do Partido Democrático (PD), Elly Schlein, acusou Meloni de “querer se colocar acima da lei e da Constituição” e afirmou que as declarações da premiê revelam “o verdadeiro objetivo da reforma constitucional” promovida por seu governo ? uma proposta que vem sendo duramente contestada por setores do Judiciário.
A Associação Nacional de Magistrados (ANM) também saiu em defesa do Tribunal de Contas, condenando o que chamou de “ataques injustificados” do Executivo. “Os magistrados de auditoria trabalham com integridade e competência para proteger os recursos públicos. Deslegitimá-los é minar um pilar essencial da legalidade democrática”, afirmou a entidade em nota.
Apesar do impasse, o Tribunal de Contas não tem poder de veto definitivo. Pela legislação italiana, o governo pode solicitar ao Conselho de Ministros a aprovação do projeto por “interesse público preponderante”, mesmo com a “reserva” do Tribunal ? o que permitiria o prosseguimento da obra, ainda que com responsabilidade política direta para o Executivo.
O parecer negativo apontou preocupações sobre o financiamento da ponte, a confiabilidade das estimativas de tráfego, e a conformidade do projeto com normas ambientais e sísmicas, além de possíveis excessos de custo superiores a 50% em relação à estimativa original.
O Tribunal de Contas afirmou que apresentaria uma justificativa para sua decisão em até 30 dias.
O governo esperava uma aprovação automática do projeto.
Inclusive, Salvini já havia afirmado que a ponte deveria entrar em funcionamento em 2032 ou 2033.
O plano prevê a construção de uma ponte suspensa de 3,3 quilômetros, além de 40 quilômetros de conexões rodoviárias e ferroviárias, três novas estações de trem e um centro comercial na Calábria.
Defendido pelo falecido premiê da Itália e magnata da mídia Silvio Berlusconi ? que ocupou o cargo por três mandatos ?, o projeto foi arquivado durante décadas devido ao seu alto custo, às preocupações ambientais, aos riscos sísmicos e à possível infiltração da máfia. Os primeiros esboços da obra foram elaborados há mais de meio século. (ANSA).