Ainda no século 18, a romancista francesa Madame de Staël definiu com ironia a história de traições que acompanhou a família Románov no comando da maior nação do mundo: “O governo da Rússia é uma autocracia acompanhada por estrangulamentos”. Os fatos corroboram essa percepção. Seis dos doze czares foram assassinados: “Dois por asfixia, um com uma adaga, um com dinamite, dois à bala”, afirma o inglês Simon Sebag Montefiore no excelente “Os Románov (1613-1918)”, que a Companhia das Letras acaba de lançar no Brasil. Em mais de 900 páginas, o livro traz um estudo específico de cada sucessão do clã, analisando em profundidade como os Románov dominaram a arte da sobrevivência no poder e a manutenção de um império gigantesco ao longo de mais de 300 anos. Desde sua chegada à Corte, em meio a uma brutal guerra civil, até a derrocada final, com a revolução de 1917, os Románov souberam unificar o país, defender suas imensas fronteiras e assegurar a monarquia por meio de um Estado quase sagrado.

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O ÚLTIMO CZAR – Nicolau II, que governou a Rússia por 22 anos, em foto de 1911 com a família: após a revolução de 1917, dezoito Románov foram fuzilados

Nesse arco de tempo, a Rússia conheceu soberanos como Pedro, o Grande — cujas orgias regadas a álcool e violência feroz não o impediram de promover reformas que iriam modernizar o país — e Catarina, a Grande, que, além de conquistar a Ucrânia, a Crimeia e a Polônia, criou uma sofisticada coleção de arte e projetou o país como potência mundial.

Sob os Románov, os russos produziram alta cultura e sofisticada beleza, imortalizadas principalmente nas obras de Tolstói, Tchaikóvski e Dostoievski. Mas houve muito mais: “A corte dos Románov era uma mistura de condomínio familiar, ordem de cruzados ortodoxos e quartéis militares — características que, de formas bem distintas, explicam parte do fervor e da agressividade dos regimes sucessores”, diz o autor, referindo-se à União Soviética e à atual Federação Russa.

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Erotismo

A história dos Románov é a de uma dinastia cujo poder e megalomania só encontram paralelo com a dos césares, no Império Romano. Não por acaso, o título czar (ou tsar, na grafia adotada por Montefiore) deriva de césar. Mais que disputas familiares e guerras lideradas por obstinados conquistadores, a saga dos Románov sintetiza o conceito de despotismo. Sua trajetória envolve noivas envenenadas, um pai que torturou o filho até a morte, cabeças decapitadas e depois beijadas, imperatrizes ninfomaníacas e a mais erótica correspondência de um chefe de Estado. A luxúria, como é de se supor, foi cercada de luxo: os Románov acumularam ouro, cristais e diamantes em escala proporcional ao tamanho da Rússia.

A longevidade política dos Románov derivou de um equilíbrio de forças: um exército leal desde o início, a confiança dos cortesãos e uma reverência sagrada entre os súditos. “Além de jogar o jogo letal da política, os soberanos tinham de transmitir uma autoridade visceral, quase brutal”, afirma o historiador Montefiore. Segundo ele, “os últimos Románov tentaram desesperada e obstinadamente reverter a marcha da história” — e por isso foram aniquilados.

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Em 1918, o equilíbrio de interesses que governava a Rússia já havia se rompido. Nada menos que dezoito Románov foram mortos pelos bolcheviques. “Uma revolução sem pelotão de fuzilamento não significa nada”, declarou Vladmir Lênin após o massacre da família do derradeiro czar. A maldição os acompanhou até o último suspiro.

Um biógrafo premiado

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Formado em história e pós-graduado em filosofia pela Universidade Cambridge, o inglês Simon Sebag Montefiore, 51 anos, recebeu o British Book Awards em 2004 por sua aclamada biografia de Stálin. Ao escrever sobre os Románov, ele se porta como biógrafo da Rússia, da mesma forma que havia feito em “Jerusalém: a biografia”. Nas duas obras, a narrativa é recheada de detalhes da vida íntima das personagens. O resultado é uma leitura envolvente de um tema fascinante.


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