Cinco mensagens que publicou nas redes sociais colocam Bernardo Arévalo perante a possibilidade de perder sua imunidade menos de dois meses depois de assumir a presidência da Guatemala, o mais recente episódio de uma ofensiva judicial que levanta receios de um retrocesso da democracia.

Há uma semana, o Ministério Público pediu à Corte Suprema de Justiça (CSJ) a retirada do foro de Arévalo e de sua vice-presidente, Karin Herrera, por terem manifestado na rede social X (antigo Twitter) e em outras redes o apoio aos estudantes que ocuparam a universidade federal entre maio 2022 e junho de 2023.

A medida soma-se a uma série de ações lideradas pela procuradora-geral Consuelo Porras desde que o social-democrata venceu as eleições em dois turnos, em junho e agosto.

Segundo o Ministério Público, Arévalo e Herrera cometeram crimes de “usurpação agravada”, “sedição” e “depredação de bens culturais” ao apoiarem estudantes universitários que denunciavam “fraude” na eleição de um reitor ligado ao governo de direita de Alejandro Giammattei.

Mas os analistas concordam que, por trás das ações do Ministério Público, está a classe política tradicional, que teme que Arévalo cumpra a sua promessa de combater a corrupção quando chegar ao poder.

Às vésperas da posse, em 14 de janeiro, a crise apresenta pelo menos três cenários, segundo os analistas.

– Se não houver retirada da imunidade –

Embora a lei não seja clara sobre o pré-julgamento para autoridades eleitas, os especialistas explicam que a CSJ deve nomear um juiz para avaliar as provas e recomendar aos magistrados se devem ou não processar o pedido do MP.

Estes deverão decidir se enviarão o caso ao Congresso, que encerrará suas sessões em 30 de novembro. Alguns analistas acreditam que esta medida não se aplica no caso de um presidente eleito e que a decisão caberá à CSJ.

“O tempo não os ajuda. Além disso, seria necessária uma maioria qualificada (107 dos 160 deputados). É provável que isto pare por aí”, disse à AFP Carmen Aída Ibarra, do movimento cidadão ProJusticia.

Edie Cux, do Transparência Internacional, afirmou que, no entanto, o Ministério Público continuará tentando: “Eles têm planos a,b,c,d,f e todo o alfabeto para ver qual deles funciona”.

“Vejo poucas chances de o pedido avançar porque as evidências são fracas e o tempo está contra. Cada dia que passa é um fator crucial”, disse à AFP o advogado especialista em direito constitucional, Edgar Ortiz.

Luis Linares, da Associação de Pesquisas e Estudos Sociais, destacou que “diante de um juiz imparcial o caso é insustentável”.

– Se a imunidade for retirada –

“Se isso acontecer, se tornaria um julgamento político. Estaríamos vendo um golpe sendo implementado. O Ministério Público poderia solicitar um mandado de prisão. A democracia está em risco”, alertou Cux.

Linares comentou que “a situação na Guatemala é muito imprevisível e tudo pode acontecer. A retirada da imunidade aumentaria a pressão internacional e a pressão pública porque a zombaria da vontade popular seria descarada”, opinou.

Ortiz esclarece que neste cenário “Arévalo ainda teria recursos jurídicos a caminho: pode contestar os juízes e apresentar recurso de proteção”.

Mas mesmo que seu foro seja retirado, Arévalo poderá assumir o cargo em janeiro, a menos que um juiz criminal determine a prisão preventiva, explicaram Ortiz e Ibarra.

“Isso desencadearia uma grande tensão, um surto social, instabilidade. Estaremos diante de um choque de trens”, comentou Ortiz.

Ibarra alertou que mesmo que o pedido do Ministério Público não seja atendido antes da posse, “poderá tentar novamente quando já for presidente”.

A Guatemala tem uma longa história de procedimentos pré-julgamento, lembrou.

– Ingovernabilidade –

Se a imunidade for retirada ou não, e se Arévalo assumir o poder “ele governará para cima” com um Congresso contra ele e uma procuradora que o presidente, por lei, não pode demitir, disse Ibarra.

“Será muito complicado governar, responder às expectativas do povo, que pede para enfrentar os corruptos e atenção à sua situação socioeconômica”, disse Linares.

Para Cux, “o mais preocupante” é o que está por trás disso: “Não só que o presidente assuma o mandato cansado, desgastado, mas que entre com medo”.

“Todas essas ações do Ministério Público procuram fazer com que o presidente tema os grupos de poder, querem limitar a sua margem de manobra e de governabilidade”, acrescentou.

Para Linares, os Estados Unidos, a União Europeia e a OEA, muito ativos no apoio a Arévalo, devem pressionar ainda mais para que a crise seja resolvida mediante diálogo.

Ortiz concordou que “o cenário ideal é a negociação”, a busca de uma “saída política” para o conflito.

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