Mianmar completa, nesta quinta-feira (1º), três anos de um golpe militar, com o Exército sitiado por dezenas de milícias, que fizeram avanços significativos.

Desde o golpe de 1º de fevereiro de 2021, o Exército oficial combate dezenas de milícias constituídas por jovens militantes pró-democracia, que pegaram em armas em diferentes regiões do país, principalmente no norte.

As hostilidades ganharam força no final de outubro no estado de Shan, no norte do país, com a chamada “Operação 1027”, iniciada por uma aliança de grupos armados constituídos por vários grupos étnicos da região.

O Exército de Arakan (AA), a Aliança Democrática Nacional de Mianmar (MNDAA) e o Exército de Libertação Nacional Taang (TNLA) decidiram então aproveitar a fragilidade das forças regulares para retomar uma guerra antiga pelo controle de territórios e recursos naturais.

Equipados com bombas rudimentares, lançadas a partir de drones civis, os seus combatentes somaram vitória após vitória e assumiram o controle de diversas bases militares, inclusive de estradas estratégicas no comércio com a vizinha China.

– Exército desmoralizado –

O sucesso da “Operação 1027” provocou divergências na junta militar e a deserções em massa nas Forças Armadas. Milhares de soldados fugiram para a Índia e a China, e houve inclusive críticas públicas sem precedentes entre notórios simpatizantes do Exército.

“A junta nunca esteve tão fraca”, disse à AFP Htwe Htwe Thein, da Universidade Curtin, na Austrália, que acredita que agora “parece possível que o Exército (…) sofra uma série de derrotas significativas”.

No início de janeiro, a China, aliada da junta militar birmanesa, mediou um cessar-fogo que pôs fim aos combates no estado de Shan e permitiu às milícias MNDAA e TNLA consolidarem as suas novas posições.

Entre elas está a cidade fronteiriça de Laukkai, a “capital” do jogo, da prostituição e do tráfico de drogas, perto da fronteira chinesa. Os seis generais considerados responsáveis pela perda da cidade enfrentam agora a pena de morte.

Além desta região, os confrontos continuam mais ao oeste, no estado de Rakhin, onde a milícia AA alegou, em 25 de janeiro, ter tomado o porto de Pauktaw e afirma controlar várias posições perto da fronteira indiana.

Segundo fontes militares que pediram anonimato, as forças armadas estão desmoralizadas, fenômeno que se observa inclusive entre membros do mais alto escalão.

No início deste mês, um monge budista discursou para uma multidão em Pyin Oo Lwin, uma cidade que abriga uma academia militar de elite, e pediu a renúncia do chefe da junta, Min Aung Hlaing. A mensagem foi amplamente compartilhada nas redes sociais.

– “Violência extrema” –

Os analistas, porém, acreditam que é cedo para prever uma queda da junta militar ou uma mudança de líderes.

O roteiro das milícias, reunidas na chamada Aliança da Fraternidade, não é muito claro. Também não se sabe se pretendem ir além das suas ambições regionais e influenciar a luta pela democracia a nível nacional.

A TNLA não disse se tem objetivos militares fora do território que afirma controlar no estado de Shan. Uma fonte próxima do MNDAA afirmou que o grupo trabalha na instalação de uma nova administração em Laukkai, sem mais detalhes até o momento.

Em todo caso, perdas significativas no campo de batalha poderiam levar os generais a arriscar tudo.

“Terror, violência extrema, estupro, tortura, saques e incêndios de aldeias fazem parte da doutrina militar operacional há muito tempo”, disse à AFP David Mathieson, pesquisador independente especializado em Mianmar.

A junta militar “acredita que a consistência nas atrocidades e o grande poder de fogo garantirão a sobrevivência do regime”, explicou o analista.

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