‘Tremembé’: por que histórias de crimes reais fazem tanto sucesso com o público?

Produções sobre crimes reais conquistam espaço e revelam a complexa relação entre violência, mídia e público

Elenco de 'Tremembé'
Elenco de 'Tremembé' Foto: Divulgação/Kelly Fuzar

O lançamento da série ‘Tremembé’, no Prime Video, ampliou ainda mais o interesse do público brasileiro por histórias de crimes reais. A produção mergulha em casos que chocaram o país — como os envolvendo Suzane von Richthofen, os Nardoni, Roger Abdelmassih e Elize Matsunaga — e traz à tona não apenas os detalhes das investigações, mas também a forma como a sociedade reage a esses acontecimentos. Ao retratar criminosas e criminosos que se tornaram conhecidos nacionalmente, a série evidencia o quanto essas narrativas ultrapassaram os tribunais e se transformaram em parte do imaginário popular.

O fascínio por true crime não é algo recente. Estudos apontam que histórias de violência, mistério e punição despertam curiosidade porque nos conectam com medos primordiais e com o desejo de entender o que leva alguém a cometer atos tão extremos. Para muitos espectadores, acompanhar essas tramas se torna uma forma segura de explorar o desconhecido e refletir sobre os limites da moralidade humana. Já para outros, o interesse está na investigação: seguir pistas, decifrar comportamentos e tentar antecipar o desfecho do caso faz o público se sentir parte do processo de justiça.

Mas ‘Tremembé’ vai além do entretenimento. A série expõe como criminosos podem assumir o papel de protagonistas em um grande espetáculo midiático. Suzane von Richthofen, por exemplo, tornou-se personagem recorrente na TV, nos jornais e em produções cinematográficas. Elize Matsunaga teve sua vida transformada em documentário antes mesmo de cumprir toda a sua pena. Esse movimento revela um fenômeno inquietante: quanto mais chocante o caso, maior o interesse coletivo — e maior a visibilidade de quem cometeu o crime.

Nesse contexto, a Penitenciária 1 de Tremembé, no interior de São Paulo, conhecida como “a prisão dos famosos”, reforça a relação entre crime, mídia e consumo público. O local abriga alguns dos nomes mais comentados do país e se tornou símbolo de como a notoriedade pode influenciar percepções sociais. Lá, a pena não é apenas jurídica: existe também uma condenação pública contínua, alimentada por manchetes, debates e produções audiovisuais. Surge, assim, uma zona híbrida entre celebridade e infâmia, em que o criminoso deixa de ser apenas réu e passa a ser um produto midiático.

O sucesso de ‘Tremembé’ mostra que, apesar de envolver tragédias reais e vítimas cujas histórias não podem ser esquecidas, o público continua sendo seduzido por narrativas sobre o lado sombrio da sociedade. Afinal, ao olhar para o crime, olhamos também para nós mesmos — nossos medos, nossos limites e nossa eterna busca por entender aquilo que parece inexplicável.

Para a psicóloga Kenia Ramos, do grupo Mantevida, que falou à reportagem de IstoÉ Gente, esse interesse está relacionado a uma combinação complexa de emoções humanas, que envolve curiosidade, medo e o desejo de entender o comportamento humano em seus aspectos mais extremos. “Quando consumimos relatos de crimes reais, o cérebro é estimulado por uma mistura de tensão e adrenalina, semelhante à experiência de assistir a um filme de suspense, mas com o impacto adicional da consciência de que aquilo realmente aconteceu”, explica a psicóloga.

Ela destaca que o público não busca apenas entretenimento, mas também uma forma de compreender o “porquê” por trás das ações dos criminosos. “Essa busca por sentido é uma tentativa de organizar o caos, compreender motivações que parecem incompreensíveis e, ao mesmo tempo, criar uma sensação de preparo para possíveis ameaças, mesmo que de forma inconsciente.”

O sucesso da série ‘Tremembé’ também reflete a facilidade de acesso às informações na era digital. “Hoje, com as plataformas de streaming e a internet, temos uma exposição muito maior a detalhes e depoimentos reais, o que intensifica a identificação emocional do público e o envolvimento com essas histórias”, acrescenta a psicóloga.

Assim, o fascínio pelas histórias reais, como as retratadas na série, está profundamente enraizado na natureza humana: é uma forma de confrontar o medo, buscar explicações para o perigo e tentar compreender as motivações que escapam à lógica, enquanto o indivíduo procura proteção e sentido em meio ao caos.

Referências Bibliográficas

Kenia Ramos é psicóloga do Grupo Mantevida, pós-graduada em Psicologia Sistêmica, Terapia de Casais e Família.