‘Tremembé’: entre crime e fama, o olhar da sociedade sobre mulheres que matam

Série do Prime Video reacende a discussão sobre o julgamento social e a espetacularização de mulheres envolvidas em crimes de grande repercussão

Tremembé: entre crime e fama, o olhar da sociedade sobre mulheres que matam
Tremembé: entre crime e fama, o olhar da sociedade sobre mulheres que matam Foto: Divulgação/Prime Vídeo

A estreia de ‘Tremembé’ no Prime Video, no dia 31 de outubro, promete reacender um dos debates mais controversos da atualidade: o modo como o Brasil enxerga e trata mulheres envolvidas em crimes de grande repercussão. Ao trazer para a dramaturgia casos que ainda habitam o imaginário popular — como Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga e Anna Carolina Jatobá — a série coloca em evidência não apenas as histórias dessas personagens reais, mas a forma como a sociedade transforma criminosas em protagonistas de um espetáculo midiático.

A Penitenciária 1 de Tremembé, apelidada de “a prisão dos famosos”, reforça esse fenômeno. O local simboliza como a notoriedade pode influenciar julgamentos sociais, ampliar condenações para além da pena e criar uma zona híbrida entre celebridade e infâmia — onde o crime deixa de ser apenas ato jurídico e passa a ser entretenimento público.

Embora dados nacionais apontem que as mulheres representam de 10% a 20% dos envolvidos em redes criminosas, a reação social aos crimes femininos tende a ser muito mais intensa. A psicóloga jurídica e assistente técnica Patrícia Barazetti explica que esse descompasso está associado à violação de expectativas culturais.

“Quando uma mulher comete um crime violento, o impacto costuma ser maior porque ela rompe com os papéis atribuídos à feminilidade: cuidadora, protetora, emocional. Enquanto os homens são avaliados pelo risco que representam, as mulheres oscilam entre a figura monstruosa e a vítima das circunstâncias. Isso gera julgamentos morais muito mais pesados”, analisa.

Segundo a especialista, o imaginário coletivo ainda insiste em procurar explicações sentimentais — ciúme, infidelidade, relação parental — como se o crime tivesse sempre uma justificativa afetiva. “Mas os fatores são tão complexos quanto em casos masculinos: traços de personalidade, origem familiar, abusos sofridos, escolhas conscientes e até interesses materiais”.

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A fronteira perigosa entre curiosidade e glamourização

Com uma estética que combina humor ácido, crítica social e reconstrução dramática, Tremembé questiona o limiar ético da ficção baseada em crimes reais. Para Barazetti, esse equilíbrio é o grande desafio.

“O risco do entretenimento é transformar autoras de crimes graves em personagens fascinantes, neutralizando a gravidade dos atos. A mídia, historicamente, reforça caricaturas: ‘a assassina fria’, ‘a mulher traída’. Quando o público compra o rótulo, deixa-se de compreender a complexidade humana por trás do delito”.

Por outro lado, ela destaca que uma abordagem cuidadosa pode ampliar a consciência social. “Quando retratamos os fatores que antecedem a violência sem negligenciar o rigor jurídico, o produto cultural pode educar. A pergunta que precisa estar sempre no centro é: estamos discutindo a realidade ou explorando tragédias como espetáculo?”.

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O tribunal da opinião pública

Ao colocar holofotes sobre Tremembé, a série também expõe uma dinâmica cada vez mais evidente: a transformação da execução penal em evento de interesse coletivo.

“A notoriedade faz com que a pena ultrapasse os limites legais. A sociedade passa a vigiar, punir e interpretar comportamentos dentro da prisão como se fosse um reality show”, diz Barazetti. “E quando se julga mais o nome do que o ato, a justiça corre riscos”.

Esse fenômeno, segundo a psicóloga, molda expectativas de punição exemplar. “A figura pública deixa de ser apenas ré e passa a carregar projeções de culpa, vingança social e moralidade coletiva”.

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Complexidade psicológica e quebra de estereótipos

Para que a narrativa não reduza as personagens à dualidade “monstro ou mártir”, Barazetti aponta critérios que devem ser observados:

📌 O que deve estar em foco:
• agência e responsabilidade das autoras
• contexto emocional e social que antecede o crime
• construção da personalidade ao longo da vida
• impacto das relações afetivas e da violência estrutural

“O importante é não desumanizar, nem romantizar. A mulher que mata não deve ser tratada como exceção inexplicável ou como alguém que apenas reagiu ao caos da vida. É preciso mostrar que existem decisões, estratégias, interesses e, sim, consequências”.

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O papel do entretenimento na consciência social

Para Barazetti, o valor de Tremembé está no tipo de reflexão que ela pode gerar no público.

“O crime real desperta curiosidade. Mas o que deveria prevalecer é a consciência. A partir do momento em que compreendemos os fatores que levam alguém ao limite, nos tornamos capazes de pensar em prevenção, acolhimento e política pública. Compreender não é absolver — é aprofundar a discussão que ainda evitamos ter”.

A especialista finaliza lembrando que mulheres que matam representam desvios estatísticos — e, justamente por isso, oferecem uma lente poderosa para entender falhas sociais. “Quando olhamos apenas o gênero, perdemos a essência. É preciso analisar história, vínculos, estrutura psíquica e ambiente. Só assim enxergamos o indivíduo para além do rótulo”.

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