Para os pacientes com câncer, os brutais efeitos colaterais das medicações mais poderosas têm sido há muito tempo o preço a se pagar por uma vida mais longa. Agora, pacientes e médicos questionam se todo esse sofrimento é mesmo necessário.

Eles deram início a um movimento que visa a mudar radicalmente a forma como novos medicamentos contra o câncer são testados, e a Administração Federal de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA) fez um apelo aos fabricantes de medicamentos para que se esforcem mais na descoberta da dose eficaz mais baixa possível, mesmo que isso resulte em pesquisas mais longas.

Os avanços nos tratamentos significam que milhões de pessoas podem sobreviver durante anos mesmo com cânceres incuráveis. Jill Feldman, uma mulher de 54 anos de Deerfield, no estado de Illinois, EUA, vive há 15 anos com câncer de pulmão graças a esse avanço. Seus pais morreram de câncer de pulmão meses após serem diagnosticados.

Mas seu medicamento contra o câncer causa dores nas articulações, fadiga e feridas na boca que tornam comer e beber atividades dolorosas.

“Se você bebe algo muito quente, você realmente queima a boca. É assim que minha boca fica 24 horas por dia, 7 dias por semana”, disse Feldman.

Ela reduziu a dose com a aprovação do médico, mas deseja que os fabricantes de medicamentos estudem doses mais baixas no início do processo de pesquisa.

“Ninguém deveria ter que suportar os efeitos nocivos do tratamento que podem ser evitados”, disse ela.

Ao contrário de outras doenças, o desenvolvimento de medicamentos contra o câncer se concentrou em encontrar a chamada “dose máxima tolerada”.

Para acelerar os testes de medicamentos quimioterápicos, os pesquisadores aumentaram a dosagem em algumas pessoas nos primeiros estudos, para determinar a dose mais alta possível que os pacientes poderiam tolerar. Essa filosofia de que “mais é melhor” funciona para a quimioterapia, mas não necessariamente para os medicamentos mais modernos contra o câncer – como o que Feldman toma – que são mais direcionados e funcionam de forma diferente.

A quimioterapia é como um aríete, e nesse caso os golpes agressivos são uma boa estratégia. Mas os medicamentos mais recentes contra o câncer são mais parecidos com uma chave da porta da frente. Eles são direcionados a uma mutação que impulsiona o crescimento de células cancerígenas, por exemplo, ou estimulam o sistema imunológico do corpo para ir à luta.

“Talvez você só precise de uma dose baixa para desligar o fator cancerígeno”, disse a Dra. Lillian Siu, que lidera o desenvolvimento de medicamentos contra o câncer no Princess Margaret Cancer Centre, em Toronto, no Canadá. “Se você consegue ter o mesmo retorno por um investimento mais baixo, por que gastar mais?”

Através de um programa chamado Project Optimus, a FDA está pressionando os fabricantes de medicamentos a incluir mais pacientes em ensaios iniciais de determinação de doses para obter dados melhores sobre a funcionalidade de doses mais baixas. Uma das principais motivações para o projeto foram “os apelos crescentes de pacientes e defensores para que os medicamentos contra o câncer sejam mais toleráveis”, disse a porta-voz da FDA, Chanapa Tantibanchachai, por e-mail.

Muitos dos novos medicamentos contra o câncer foram desenvolvidos usando a estratégia antiga. Isso leva a problemas quando os pacientes pulam uma dose ou interrompem o tratamento devido a efeitos colaterais. Algumas recomendações de dose foram oficialmente reduzidas depois que os medicamentos foram aprovados. Outras reduções de dose acontecem caso a caso.Quase metade dos pacientes em ensaios de fase final de 28 medicamentos direcionados necessitaram de redução das doses, de acordo com um estudo.

“Estávamos aumentando a dose o máximo que podíamos”, disse a Dra. Patricia LoRusso, que lidera a descoberta de medicamentos no Yale Cancer Center. “Você tem efeitos colaterais, e então tem que interromper o medicamento para se recuperar dos efeitos colaterais, e o tumor pode crescer.”

Também há uma variação enorme entre um paciente e outro.A proporção de um comprimido que chega à corrente sanguínea pode variar devido à função hepática e renal, dentre outras diferenças. Mas isso significa que reduzir a dose para todos pode resultar na subdosagem de alguns pacientes, segundo LoRusso.

“O desafio é: onde está o ponto ideal?”, explica ela.

A Dra. Julie Gralow, diretora médica da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, está planejando um estudo com 500 pacientes para testar doses mais baixas de dois medicamentos para o câncer de mama metastático.

O estudo irá comparar duas estratégias: iniciar o tratamento com a dose completa e depois diminuir a dose devido aos efeitos colaterais, ou começar com uma dose mais baixa e aumentar a dosagem se o paciente tolerar bem.

Grande parte do questionamento sobre doses mais altas veio de pacientes com câncer de mama metastático, incluindo a Iniciativa de Dosagem Centrada no Paciente, que realizou pesquisas relevantes com pacientes e oncologistas.

“Estaremos em tratamento pelo resto de nossas vidas”, diz Lesley Kailani Glenn, uma mulher de 58 anos, de Central Point, Oregon, EUA. “Queremos tentar viver da melhor forma possível, sabendo que o tratamento nunca vai terminar.”

Durante os últimos onze anos, desde seu diagnóstico, ela já escalou o Monte Whitney, na Califórnia, caminhou pelas Cinque Terre, na Itália, e fundou uma organização sem fins lucrativos.

Quando Glenn descobriu que a pesquisa de medicamentos contra o câncer favorece doses altas, ela começou os testes com seu médico. Ela já tomou medicamentos em doses baixas, e ainda mais baixas quando não consegue suportar os efeitos colaterais. A diarreia é o seu maior impedimento: ela quer poder passear com o cachorro ou fazer compras sem se preocupar com uma necessidade urgente.

“A última coisa que queremos é que nossa qualidade de vida seja roubada”, diz Glenn.

Através do Project Optimus, a FDA está incentivando os desenvolvedores de medicamentos a realizarem mais comparações diretas de dosagem. Isso poderia retardar o processo, disse a Dra. Alice Shaw, que lidera o desenvolvimento de medicamentos contra o câncer precoce na empresa farmacêutica Novartis.

“Isso irá demandar o envolvimento de mais pacientes e, como você pode imaginar, também exigirá mais tempo para identificar, inscrever e tratar esses pacientes”, disse Shaw. O acréscimo de seis meses a um ano ao processo precisa ser avaliado em relação à necessidade urgente de novos medicamentos contra o câncer, segundo Shaw.

Mas acertar a dose desde o início levará, a longo prazo, a medicamentos mais eficazes, segundo o Dr. Timothy Yap, desenvolvedor de medicamentos do MD Anderson Cancer Center, em Houston, EUA. “Se os pacientes não tomarem o medicamento, não vai funcionar.”

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