O transporte aéreo, que sofreu perdas gigantescas e permanece sob a ameaça de falências e turbulência social, apesar da ajuda pública pela pandemia de covid-19, ainda não vê a luz no fim do túnel e corre o risco de sair da crise de forma irreconhecível.
A seguir, uma análise da situação atual e as perspectivas de curto prazo:
Qual o estado atual do tráfego aéreo?
Esmagado. A pandemia representa o “maior impacto que a indústria aérea já experimentou”, com queda de 66% no tráfego em 2020, segundo o economista-chefe da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), Brian Pearce.
O tráfego caiu para o nível de 2003, com 1,8 bilhão de passageiros em 2020, longe dos 4,5 bilhões registrados em 2019, segundo dados da Organização de Aviação Civil Internacional (OACI).
Devido às quarentenas e ao fechamento das fronteiras, o tráfego internacional foi mais atingido (-75,6%) do que os voos internos (-48,8%), de acordo com a IATA.
O número de passageiros em voos domésticos nos Estados Unidos, o mercado mais importante do mundo, caiu 63% em ritmo anual em dezembro, 43% na Índia, 12% na Rússia e cerca de 8% na China.
Na Europa, dois terços a menos de voos foram registrados até meados de fevereiro na comparação com o ano passado, de acordo com o Eurocontrol, o órgão europeu de vigilância do tráfego aéreo.
Quando a situação vai melhorar?
Aconteça o que acontecer, a recuperação será lenta. A IATA espera que em 2021 o tráfego seja o dobro de 2020, mas menos da metade de antes da crise. A menos que a disseminação de variantes do vírus retarde a recuperação.
O que parece certo é que o tráfego das grandes áreas geográficas (América do Norte, Europa, China, Rússia) será o primeiro a se recuperar.
“A partir de 2022” pode recuperar seu nível de 2019, mas “para o segmento internacional teremos que esperar até 2025-2026”, comentou à AFP Yan Derocles, analista da ODDO BHF Securities.
As enfraquecidas companhias aéreas “se concentrarão primeiro nas rotas que eram muito lucrativas antes da pandemia” e reconstruirão gradualmente sua rede de longo alcance.
Quais as consequências para as companhias aéreas?
Queda drástica de passageiros e aeronaves em terra que supõem custos fixos de difícil redução. As empresas perderam US$ 510 bilhões em volume de negócios em 2020, de acordo com a IATA. Suas perdas financeiras, de US$ 118 bilhões em 2020, cairão para US$ 38 bilhões em 2021.
As empresas, que agora apostam nos aviões mais lucrativos, retiraram de serviço 3.400 aeronaves em 2020, incluindo 2.400 de forma antecipada, segundo estudo da consultoria Oliver Wyman. Entre eles, os simbólicos Boeing 747 e Airbus A380.
Diante dos desafios, os Estados abriram os bolsos, mas “estima-se que 40 companhias aéreas já tenham desaparecido”, segundo o diretor-geral da IATA, Alexandre de Juniac.
Soma-se a isso a precarização do trabalho. Na Europa, 18.000 postos de piloto dos 65.000 existentes foram suprimidos ou estão ameaçados, de acordo com a European Cockpit Association; Nos Estados Unidos, dezenas de milhares de empregos em companhias aéreas desapareceram.
E para os aeroportos?
A mesma paisagem sinistra das empresas. De acordo com o Conselho Internacional de Aeroportos (ACI), que federa os gestores de 1.933 instalações em 183 países, as perdas em 2020 chegaram a 111,8 bilhões de dólares.
Também embarcaram em vários planos de redução de custos, como cortes de empregos e cancelamento de projetos, como o ambicioso terminal T4 Roissy/Paris-Charles De Gaulle.
Que futuro espera o setor?
Embora tenham recebido injeções de dinheiro público (173 bilhões de dólares em diversas modalidades em 2020, segundo a IATA) ou tenham conseguido obter créditos, as empresas terão que aguentar até a recuperação do tráfego, que dependerá da suspensão das restrições.
Além disso, “alguns governos vão suspender a ajuda ou focar em uma ou duas empresas. Alguns atores vão desaparecer (…) e serão principalmente empresas de médio porte”, explica Yan Derocles.
Só na Europa “460 empresas (…) operam menos de 50 aparelhos”, segundo ele.
Os atores tradicionais presentes nas rotas intercontinentais sofrerão mais.
As “low-cost” muito lucrativas antes da crise, como a Ryanair, enfrentam o fim da pandemia em uma posição de força.
E para as fabricantes?
A produção da Airbus caiu cerca de 40% e a da Boeing, que já sofria com os problemas do 737 MAX, viu suas perdas aumentarem. A fabricante americana registrou mais cancelamentos do que pedidos de aeronaves em janeiro.
A Boeing teve prejuízo de US$ 11,9 bilhões em 2020 e a Airbus anunciou perdas de 1,1 bilhão de euros (US$ 1,32 bilhão) na quinta-feira.
As entregas, quando as empresas recebem o pagamento do preço do avião, caíram: -35% para a brasileira Embraer, -34% para a Airbus. Na Boeing, as entregas do MAX só se recuperaram em dezembro, e as do grande B787 foram interrompidas em outubro.
A produção de aeronaves de médio alcance deve ser a primeira a se recuperar e a de longo alcance pode cair ainda mais, disse à AFP Bertrand Mouly-Aigrot, da consultoria Archery.
“O mercado continua bastante deprimido e, na ausência de novos pedidos, as reservas continuarão se acumulando.”