A transmissão do Campeonato Brasileiro para os Estados Unidos em inglês, espanhol e português e também para a China, com locução em mandarim, é um passo importante para a internacionalização das marcas dos clubes do País. O caminho, no entanto, é longo. Essa é a avaliação de dirigentes dos clubes e também de especialistas e estudiosos sobre a exportação do torneio nacional.

Hoje, cerca 1,5 milhão de brasileiros que vivem em solo americano, de acordo com estimativa do Ministério das Relações Exteriores, podem ver o Brasileirão em três idiomas.

Um deles é o santista Marcos Shimakura. Morador do estado do Michigan desde 2016, ele acompanhava os jogos pelo aplicativo da rádio Bandeirantes. “Assistindo aos jogos, eu mato a saudade do time em campo, do Brasil e da família”, diz o torcedor de 48 anos. “As transmissões são boas. A gente percebe que os comentaristas são brasileiros porque eles conhecem detalhes das torcidas, dos locais e peculiaridades dos times. Isso é interessante”, completa.

O movimento se acelerou nos últimos meses com a ação da iniciativa privada. A 1190 Sports, detentora dos direitos de transmissão do Brasileirão no exterior, realizou uma fusão com a GSRM, empresa que venceu a licitação dos direitos. As duas vêm fazendo parcerias em várias partes do mundo. Desde maio, o torneio já está sendo exibido em inglês nos Estados Unidos pelo canal de streaming Paramount+, da Viacom CBS. Na sexta-feira, um novo acordo com a Univision para transmissão em espanhol e português.

A China também já vê os jogos do Brasileirão. Um acordo de distribuição com a PP Sports, plataforma esportiva digital líder na China, permite aos espectadores acesso exclusivo a três jogos por rodada da Série A. Considerando-se o alcance das empresas envolvidas nas parcerias, a estimativa é de que 340 milhões de pessoas, entre brasileiros e estrangeiros, possam assistir ao torneio hoje. A abrangência vai dos Balcãs (Sérvia, Croácia e Kosovo, po exemplo), passa pela Europa, África subsaariana e até o Caribe. “Nosso foco estratégico agora aponta para a América Latina”, afirma Leonardo Caetano, gerente geral da 1190 Sports Brasil.

Na visão dos clubes, o acordo traz novas oportunidades de negócios a partir do reconhecimento internacional. “A transmissão valoriza o produto, incluindo clubes e jogadores. Quanto mais os atletas são vistos mais eles são valorizados”, avalia Roberto Trinas, diretor de marketing do Palmeiras. “O objetivo principal neste momento é a presença, ocupar espaço. Estamos no estágio inicial do acesso ao produto. A transmissão é apenas o primeiro passo.

Alessandro Barcellos, presidente do Internacional, destaca a possibilidade de novos patrocinadores. “A transmissão internacional pode gerar receitas com novos patrocinadores e atingir outros que queiram ativar apoios em outros serviços, desde os produtos internos até às nossas inserções em outros esportes”, enumera.

É a mesma visão do Flamengo. “No caso do nosso clube, esta exposição é ainda mais importante, pois temos como patrocinadores do uniforme algumas empresas multinacionais presentes em todo o mundo. Esta exposição internacional aumentará o poder de negociação dos clubes quando forem fechar um novo patrocínio”, avalia Gustavo Oliveira, vice-presidente de Comunicação e Marketing do Flamengo. “Temos convicção de que os clubes brasileiros só têm a lucrar com a exposição internacional de nossos campeonatos”, conclui.

Em 2019, o Flamengo iniciou um movimento de transmissão de seus jogos por conta própria. A partir de acertos com os rivais de cada partida no Brasileirão, o clube transmitiu os jogos do segundo turno no canal internacional do You Tube. O clube também vendeu os direitos de transmissão para o Canal 11, de Portugal. A emissora obteve a segunda maior audiência da televisão portuguesa durante as transmissões dos jogos do Flamengo.

Os valores da venda do Brasileirão não foram revelados. Fontes extraoficiais apontam que o montante seja de US$ 10 milhões (por volta de R$ 52 milhões) por quatro anos de contrato. A crise gerada pela pandemia e o aumento da concorrência baixaram os valores dos contratos, que estavam superestimados nos últimos anos.

Marcelo Paz, presidente do Fortaleza, argumenta que “os números das receitas de transmissões internacionais do Campeonato Inglês é mais da metade do valor do que eles vendem para o mercado interno. “Temos muito o que evoluir neste sentido ainda no futebol brasileiro. Muitos países ainda podem adquirir esses direitos, gerar consumo e consequentemente gerar monetização para os clubes”, diz o dirigente.

Apesar do avanço, estudiosos apontam que o Brasileirão precisa se aperfeiçoar para ser um produto mais atraente. “É preciso adequar o calendário, aprimorar a organização e aumentar a capacidade de reter os grandes atletas. As ligas concorrem globalmente pela atenção dos torcedores. É preciso melhorar o produto como um todo”, opina Darcio Genicolo, professor de Economia do Insper.

“Não é mera disposição numa grande rede que vai tornar o produto brasileiro interessante. Isso leva tempo, depende da estabilidade e clareza da qualidade do produto. O futebol brasileiro ainda carece disso”, alerta Bruno Maia, especialista em inovação e novos negócios na indústria do esporte.

Cristiano Dresch, vice-presidente do Cuiabá, que acabou de subir para a elite pela primeira vez em sua história, acrescenta que é preciso melhorar a qualidade do jogo. “Para o futebol brasileiro aumentar a penetração no exterior, é preciso apresentar bons jogos. Se investirmos em qualidade e segurar por mais tempo nossos talentos, teremos melhores partidas para serem assistidas lá fora”.

Maia cita o exemplo da NBA, case mundial de sucesso no tema. “O campeonato é mais importante que os clubes para valorizar o produto. Como o produto NBA é atrativo, o espectador escolhe um time. Ele se sente inserido e participa como torcedor e não só espectador”.

Nesse contexto, Trinas aponta novos projetos dos clubes. “Hoje, o foco dos clubes está principalmente nos brasileiros que vivem no exterior. Os próximos passos envolvem a busca de torcedores estrangeiros. Para isso, é importante criar redes sociais em outros idiomas”.