Os abutres pairam sobre Tocopilla, uma cidade mineradora situada entre o Pacífico e as montanhas áridas do Deserto do Atacama, onde as usinas termelétricas de carvão fechadas e os trabalhadores portuários inativos ilustram a rápida transição energética em andamento no Chile.

Seus 20 milhões de habitantes e sua considerável capacidade de produção de energia solar e eólica fez com que o país lançasse, em 2019, um ambicioso plano de fechamento das 28 usinas de energia elétrica, produzida a partir da queima do carvão, até 2040.

A expectativa do presidente Gabriel Boric, eleito em 2021, é de um prazo menor, e seu objetivo paralelo almeja que, antes de 2030, 80% da eletricidade produzida seja a partir de fontes renováveis.

Desde 2019, nove usinas geradoras de eletricidade a carvão foram fechadas, incluindo quatro localizadas em Tocopilla, no noroeste, pertencentes à empresa francesa Engie – que prometeu abandonar o carvão na Europa e no resto do mundo até 2025.

O Chile, ao lado da Grécia e do Reino Unido, está entre os dez países mais rápidos a reduzirem sua produção de energia proveniente do carvão, conforme indicou em novembro um estudo do Instituto de Recursos Mundiais (World Resources Institute).

Mais de 35% da energia produzida no Chile é de origem eólica ou solar, e o país possui enormes projetos em construção, especialmente na região de Lomas del Taltal.

Apesar das medidas de apoio concedidas aos funcionários durante o fechamento de unidades das empresas nacionais que utilizam usinas termelétricas a carvão, a situação é diferente para os cargos terceirizados ou para empresas contratadas.

– “Deixados de lado” –

“Do dia para a noite, nos disseram ‘Está fechado'”, relata Pedro Castillo, de 62 anos. Ele operou, por 36 anos, um guindaste para a Somarco – uma empresa portuária contratada pela Engie, em Tocopilla.

No norte do Chile, nessa cidade de 25.000 habitantes, apenas uma das antigas usinas elétricas a carvão continua operando em meio a um dos lugares mais áridos do mundo, com paisagens lunares esculpidas por rochas e areia.

A última central elétrica a carvão de Tocopilla, propriedade do grupo americano AES, deverá fechar em março. A empresa não respondeu aos pedidos de comentários da AFP.

O grupo ainda emprega, mesmo com a quase total inatividade do porto, cerca de 60 trabalhadores, que descarregam carvão destinado às usinas da cidade que abastecem as minas de cobre próximas – metal do qual o Chile é o maior produtor mundial.

Assim como outros trabalhadores portuários entrevistados pela AFP, Castillo afirma que há abandono tanto por parte do Estado quanto da empresa de energia francesa.

“A Engie cuidou apenas de seus funcionários, mas aqueles que realmente trabalharam com o carvão foram deixados de lado”, diz ele, explicando que continua indo trabalhar mesmo sem atividades ou perspectivas sobre o futuro.

“É como quando alguém está velhinho e está esperando o dia em que vai morrer”, compara Castillo, que também é presidente do sindicato dos trabalhadores do porto na pequena cidade, afetada por anos pela poluição das usinas.

Com o fechamento de quatro de suas unidades, a Engie demitiu cerca de cem trabalhadores. Destes, apenas um terço se beneficiou de um plano de aposentadoria antecipada, outra parte foi treinada para outros trabalhos dentro ou fora da empresa e o restante recebeu um plano de demissão voluntária.

Quando questionado pela AFP, o grupo disse estar “consciente” das “repercussões sociais” para “os trabalhadores” durante o processo de descarbonização.

Enquanto se prepara para seu último dia de trabalho, Juan Hidalgo, de 48 anos, há 15 anos gerente interino do porto, menciona também a “desilusão” por aquilo que, segundo ele, são “promessas” não cumpridas por parte do Estado.

“Não há mudança, não há realocação, não há indenização, não há um plano de aposentadoria”, enumerou Hidalgo.

– “Desafios a serem superados” –

“O problema que temos no Chile com a questão da transição justa é a subcontratação”, confirma Alejandro Ochoa, responsável por assuntos ambientais e de transição justa da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o sindicato mais forte do país.

“As empresas estão cuidando dos próprios trabalhadores, e a descarbonização está passando mais por elas do que por um planejamento do governo”, afirma ele, ao estimar que no Chile “o problema” é que “as políticas públicas chegam tarde”.

De acordo com Ochoa, para cada 50 pessoas que trabalham em uma usina de carvão, há 150 trabalhadores terceirizados e 450 empregos indiretos. “Isso totaliza 600 trabalhadores que não estão cobertos por nenhuma medida”, destaca.

Durante um recente encontro com a imprensa francesa, em Santiago, o ministro da Energia chileno, Diego Pardow, reconheceu “múltiplos desafios pendentes” nesse tema e mencionou um plano de “transição socioecológica justa” para Tocopilla, que prevê auxílio à relocação, às empresas e ao setor do turismo.

Pardow também apontou projetos futuros no setor de energias limpas na cidade, especialmente na indústria do hidrogênio verde.

A Engie, por sua vez, anunciou projetos de transformação de seus “terrenos descontaminados” em Tocopilla, “em conexão com as comunidades”. A diretora-geral para o Chile, Rosaline Corinthien, fez menção ao hidrogênio e ao trabalho de armazenamento de baterias.

A chilena Colbun, sem data anunciada para o fechamento de sua única central de carvão no país, ao sul de Santiago, assegurou à AFP que “está sendo avaliada a possibilidade de usar outros tipos de combustíveis (…) como o hidrogênio” ou pallets de madeira.

“Tudo o que for bom para o planeta é bom, mas não deixemos as pessoas para trás”, pede Pedro Castillo, antes de retornar às instalações abandonadas do porto industrial.

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