Trama golpista: entenda o que é dosimetria de pena e como ela é calculada

Primeira Turma STF
Primeira Turma STF julga o chamado 'núcleo crucial' da suposta tentativa de golpe de Estado Foto: Antonio Augusto/STF

A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) julga o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus por suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. O ministro Flávio Dino, segundo a apresentar o voto pela condenação dos réus, fez uma ressalva argumentando que a dosimetria da pena deve ser definida de acordo com a hierarquia de cada envolvido na trama golpista.

Há expectativa de que o julgamento termine nesta sexta-feira, 12, quando os ministros — a partir do placar de votos para possível condenação dos réus — devem decidir sobre a pena para cada um dos integrantes do chamado “núcleo crucial” da tentativa de golpe.

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A dosimetria de pena é o processo pelo qual o juiz determina a quantidade e o tipo de penalidade que será aplicada ao réu. No Brasil, o processo é divido em três fases, conforme explicou o advogado criminalista Rafael Paiva.

  • Fixação da pena-base: Etapa em que o juiz avalia o ponto de partida para o cálculo final da penalidade, pois cada crime possui uma pena mínima e máxima. Para isso, o magistrado analisa as circunstâncias judiciais, como natureza e consequências do delito praticado, o perfil do condenado, existência de antecedentes criminais e culpabilidade.
  • Análise das circunstâncias agravantes e atenuantes: Nessa fase, o juiz considera as condições que podem aumentar ou diminuir a pena, como a idade e questão de saúde do condenado, se o crime foi cometido por motivo fútil ou torpe, se houve traição, emboscada ou dissimulação, entre outras.
  • Análise das causas de aumento e diminuição de pena: Nesse estágio, o magistrado verifica se existem causas de aumento ou diminuição da pena para chegar à penalidade final. Isso ocorre em casos específicos, como tentativa de crime (artigo 14, II do Código Penal), arrependimento eficaz e desistência voluntária (artigo 15 do Código Penal), em que, após iniciada a execução do delito, o agente é impedido de praticá-lo.

Ao proferir o seu voto, Flávio Dino destacou que “não há menor dúvida de que os níveis de culpabilidade são diferentes. Em relação aos réus Jair Bolsonaro e Braga Netto não há dúvida que a culpabilidade é bastante alta e, portanto, a dosimetria [da pena] deve ser congruente ao papel dominante que eles exerciam”.

Por fim, o ministro afirmou que acompanha o relator do caso, Alexandre de Moraes, no juízo condenatório, mas com a condicionante de participação de menor importância para os réus Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira.

Da trama ao tribunal

Na campanha frustrada para se reeleger, em 2022, Bolsonaro reuniu ministros, embaixadores estrangeiros e discursou para descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro, sugerindo ser vítima de uma fraude. Mais de 44 horas após o fechamento das urnas, admitiu a derrota, mas não desmobilizou apoiadores que bloqueavam estradas e acampavam em frente a quartéis do Exército, pedindo intervenção militar.

Conforme as investigações da Polícia Federal, o então presidente e um grupo de aliados — os outros sete integrantes do ‘núcleo 1’, réus no julgamento desta semana — articulavam alternativas para reverter a decisão popular naquele período.

Bolsonaro recebeu e editou documentos que dariam embasamento jurídico à ruptura institucional, se reuniu com os comandantes das Forças Armadas para consultar a anuência das tropas à ideia e teve conhecimento de um plano para executar o presidente Lula (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes antes da troca de governo.

Em 30 de dezembro, às vésperas de concluir o mandato, Bolsonaro viajou para os Estados Unidos, não passou a faixa presidencial ao sucessor e só retornou ao país depois de três meses. Na ausência do político, apoiadores mantiveram os acampamentos em frente a quartéis, amplificaram as manifestações e invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes da República, em Brasília, em tentativa derradeira de mobilizar uma intervenção militar.

Em fevereiro de 2024, a PF deflagrou a Operação Tempus Veritatis, primeira a cumprir mandados relativos ao plano golpista, com base na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Em novembro, foi a vez da Operação Contragolpe, cujas apurações ampliaram o comprometimento do ex-presidente com a trama. As investigações embasaram uma denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), enviada ao STF em fevereiro de 2025.

Em março, Bolsonaro e os demais acusados de idealizarem e planejarem a ruptura tornaram-se réus no tribunal, que os acusou de cinco crimes, cujas penas, somadas, podem chegar a 43 anos de prisão:

– Organização criminosa armada;– Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;– Golpe de Estado;– Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima;– Deterioração de patrimônio tombado.

Para os advogados do ex-presidente, os episódios descritos na denúncia da PGR são políticos e, quando muito, atos preparatórios que não podem ser punidos criminalmente; por sua vez, os documentos que descreviam o plano de ruptura não têm assinatura ou valor de fato. Bolsonaro admitiu ter discutido “possibilidades” com os chefes das Forças Armadas após perder a eleição, mas disse não ter cogitado usurpar a democracia e repete que não há golpe sem tanques de guerra na rua.