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TRISTEZA Eleito ao Senado em 1972: posse no hospital onde o filho estava internado após o acidente que matou a mulher e a filha (Crédito:Divulgação)

Aos 77 anos, Joe Biden teve vários motivos ao longo da vida para jogar a toalha. O candidato democrata à Presidência dos EUA traz na bagagem uma história impressionante de superação. Nascido em 1942, na Pennsylvania, era um homem realizado aos 29 anos. Casado e com três filhos, foi eleito em 1972 pelo estado de Delaware e tornou-se um dos mais jovens senadores da história norte-americana. Sua vida política estava apenas começando e tudo indicava um futuro brilhante. Em dezembro daquele ano, porém, enquanto contratava funcionários para o novo gabinete, em Washington, um fato trágico mudaria para sempre sua vida. A caminho das compras de Natal, a esposa Neilia Hunter e os filhos sofreram um acidente de carro. Ela morreu junto com a filha do casal, Naomi, de apenas 18 meses. Os outros dois filhos, Hunter e Beau, de quatro e três anos, ficaram feridos, mas sobreviveram. O mundo de Biden ruiu e ele cogitou largar tudo. Não sabia como poderia ficar longe dos meninos depois do que tinha acontecido. “A dor parecia insuportável”, declarou. Acabou assumindo e foi empossado em um quarto do hospital, ao lado de um dos filhos que estava hospitalizado. Durante décadas viajou todos os dias de Washington a Delaware para colocar os filhos para dormir. Em 1977, conheceu sua nova parceira, Jill Tracy Jacobs, com quem teve mais duas filhas, Ashley e Christina.

No final dos anos 1980, desistiu da primeira candidatura à Presidência porque descobriu dois aneurismas cerebrais severos e precisou ser operado. Em 2008, perdeu a indicação do partido para o novato Barack Obama. Seu amplo conhecimento em política externa, porém, construído ao longo de mais de 20 anos no Senado dos EUA, lhe conferiu o passaporte para ser vice do jovem candidato. Para Obama, fazia todo o sentido ter alguém com a experiência de Biden ao seu lado. Considerado moderado, ele transitava com desenvoltura entre a esquerda e a direita. A imprensa norte-americana sempre evidenciou a diferença entre o presidente e o vice, ressaltando que eram complementares. Ambos eram advogados, mas Obama seria mais sagaz, enquanto Biden sempre foi considerado um político clássico, o que o tornou extremamente importante ao longo dos oito anos de governo democrata. Neste período, eles mantinham almoços semanais regulares, o que aproximou ainda mais as duas famílias e fez de Obama um excelente cabo eleitoral nessa eleição.

ESPERANÇA Com a mulher atual, Jill Tracy Jacobs: filhos e a tentativa de reconstruir a vida após a tragédia familiar (Crédito:Divulgação)
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Quando tudo parecia bem, o destino reservou mais uma tragédia a Biden. Em 2013, Beau, o filho mais velho que sobreviveu ao acidente, foi diagnosticado com um tumor cerebral e acabou falecendo dois anos depois. O jovem era amigo da senadora Kamala Harris, que foi derrotada por Biden nas primárias do Partido Democrata e que veio a se tornar sua vice. Seu outro filho, Hunter, se envolveu em escândalos com álcool e drogas, indo parar em diversas clínicas de reabilitação. Advogado formado em Yale, em 2014, Hunter se tornou diretor de uma empresa de gás na Ucrânia e Biden o visitava com freqüência. A posição levou a acusações de Trump sobre corrupção.

Peça-chave

Como vice, Biden foi especialmente importante para o governo Obama em pelo menos duas ocasiões: a aprovação do estímulo fiscal de 2009, após a grande crise da bolha imobiliária nos EUA, quando o país passou a injetar dinheiro na economia através de um processo especial que facilitava acesso a recursos; e na crise de orçamento de 2013, quando Biden negociou com os republicanos. Nos dois momentos, usou sua experiência para obter vitórias importantes para o governo.

O longo período no Congresso ajudou a forjar um negociador nato, o que deve fazer bastante diferença durante seu eventual governo – especialmente se os democratas não conseguirem maioria no Senado. Não há, no entanto, unanimidade sobre Biden. Com tantos anos de vida pública, ele se envolveu em situações controversas em sua carreira, como no caso de Anita Hill. Em 1991, a advogada fez uma denúncia de assédio sexual contra um juiz da Suprema Corte do país, Clarence Thomas. A suposta vítima foi ouvida por um comitê de parlamentares presidido por Biden em uma audiência que gerou controvérsias, uma vez que os senadores foram acusados de questionar Hill de forma agressiva. Biden teria também deixado de convocar testemunhas favoráveis a ela, e insistido para que a advogada relatasse o incidente mais de uma vez, jogando dúvidas em seu testemunho. O mal estar foi grande. Em 2020, Biden telefonou para Hill para pedir desculpas e dizer que se sentia mal pelo acontecido. Negociador, resiliente e expert em enfrentar problemas, ele, se eleito, terá agora de lançar mão de todas essas características para unir um país dividido.