Os estímulos que desde o final de dezembro propagaram sem turbulência a candidatura de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) na disputa à presidência do Senado foram abalados nesta semana por movimentos nos bastidores do Congresso, que encontraram no nome de Simone Tebet (MDB-MS) o impulso capaz de causar inquietação nas estruturas que Pacheco já contava como estabelecidas para vencer o pleito. O cenário de traições, no entanto, é o enredo que embala o confronto entre os dois senadores.

“A pandemia desnudou, ainda mais, o que mais nos envergonha no cenário mundial: as nossas desigualdades sociais” Simone Tabet, senadora

Lançada como candidata do MDB à Presidência da Casa, Simone Tebet conseguiu romper barreiras internas da legenda, que ainda titubeava entre seu nome e o do líder da legenda na Casa, Eduardo Braga (AM). O senador amazonense, contudo, esbarrou na falta de apoio externo para seu nome, sobretudo dos partidos de esquerda, como o PT. Em conversas com senadores da oposição, Braga sentiu que não teria força para romper os pilares já colocados a favor da candidatura de Pacheco, bancada por Davi Alcolumbre e pelo presidente Jair Bolsonaro. Se o MDB queria mesmo tentar um retorno ao comando do Senado, a única chance seria com Tebet, filha do ex-senador Ramez Tebet, que já presidiu o Congresso e faleceu em 2006.

ARTICULAÇÃO Rodrigo Pacheco (à esq.) é considerado um habilidoso senador e pretende suceder Davi Alcolumbre (à dir.) (Crédito:Jefferson Rudy)

Primeira mulher a disputar a presidência da Casa, a senadora, que é presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), conseguiu, menos de 24 horas depois do lançamento oficial de seu nome, estremecer até mesmo partidos que contavam com a bancada fechada em torno de Pacheco. Foi o caso do PP. Comandado pelo senador Ciro Nogueira (PI), amigo de Bolsonaro, o partido, que tem sete senadores, chega agora rachado para o voto na eleição marcada para o dia 2 de fevereiro.

Embora sua legenda tenha apoiado Pacheco, um dos mais experientes senadores do PP, Esperidião Amin (SC), não aceitou a decisão imposta goela abaixo e anunciou voto em Tebet. Não teme represálias. Como o voto é secreto, outras dissidências também são esperadas. “Eu votarei na Simone Tebet. Os dois candidatos são pessoas com boa biografia, mas essa é uma questão de análise que cabe a mim fazer”, afirmou o senador, logo após Ciro Nogueira ter divulgado uma nota oficial, em nome da bancada, declarando a opção por Pacheco.

Racha no PP

O PP não é a única bancada que trará problemas à contabilização de votos de Pacheco na disputa pelo comando da Casa. O senador, que estimava no começo da semana já ter 38 dos 41 votos necessários, esbarra agora em resistências até mesmo dentro do PT, que anunciou apoio à sua candidatura. A repercussão negativa para a legenda ao apoiar um candidato que é defendido por Bolsonaro pesou à história da legenda. Nos bastidores, o racha já é dado como certo. Humberto Costa, que foi ministro da gestão de Lula, consta como um dos mais propensos a não sacramentar voto em Pacheco. Há conversas para que o PT repense o posicionamento da bancada.

De quem também é esperada uma nova postura é a bancada do PDT. A legenda, que costuma votar em bloco com o Cidadania e a Rede, anunciou apoio a Pacheco, mas com Tebet no cenário se viu isolada no grupo e tende a mudar de posição. O Cidadania, que tem três senadores, fechou posição em defesa da senadora. Mesmo que não mude oficialmente de posição, o racha dentro do PDT, assim como em outras legendas, já é dado como certo. “Não deve haver unidade em nenhuma das bancadas maiores. Os rachas e as traições estão a mil nesta eleição. Sempre é difícil vencer o candidato do governo, mas acho que é viável”, avalia o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

A Rede, que tem dois senadores, ainda busca um consenso entre o bloco, mas o apoio a Tebet já é incontestável. Embora respeite a trajetória de Pacheco, a bancada que tem dois votos não aceita o apoio a um candidato defendido por Bolsonaro. “A Rede é um partido de oposição a Bolsonaro e a gente terá lealdade à nossa posição de oposição ao governo”, afirma Randolfe Rodrigues (AP), líder da legenda.

Embora tenha anunciado a candidatura de Tebet, também haverá rachas no MDB. O partido tem os dois líderes do governo: Eduardo Gomes (TO) no Congresso e Fernando Bezerra (PE) no Senado, que poderão votar em Pacheco. Já Márcio Bittar (AC), um dos maiores defensores de Bolsonaro na casa, declarou voto em Tebet. As divergências podem ser abrandadas pelos novos integrantes da legenda: Rose de Freitas, que deixou o Podemos, e Veneziano Vital do Rêgo, que deixou o PSB, que devem reforçar o apoio a Tebet. Com a chegada da dupla, o MDB se solidificou como a maior bancada da Casa, com 15 senadores, e isso pode ser decisivo para o enfrentamento a Pacheco. Há ainda o Podemos, com dez senadores, e o PSDB, com sete, onde também são esperadas rupturas. Os tucanos anunciaram apoio a Pacheco, mas alguns deles admitem que poderão aderir a Tebet. Até a eleição do dia 2 de fevereiro, o caderninho dos candidatos que guarda a contagem dos votos deve precisar de muito lápis e borracha.

Entrevista com Simone Tebet

O que a motivou a disputar a presidência do Senado?
Não me motivou o querer. O pós-pandemia não admitirá que a política permaneça à base do tudo como está, nem como estava. A política vai exigir novos paradigmas, novos moldes e novas posturas.

Se eleita, como serão conduzidas essas mudanças que a senhora julga necessárias?
Serei presidida, antes de presidir. O plenário adquirirá a devida soberania. Optarei pela rouquidão do ouvir, antes de falar. Na relação institucional com outros Poderes, me pautarei pela independência harmômica, priorizando sempre o que for melhor para o País.

E como se sentirá, caso eleita, como primeira mulher a assumir a presidência do Senado?
Confesso que com uma certa pitada de tristeza e de indignação, porque são quase duzentos anos de uma galeria de fotos de ex-presidentes do Senado que estampa somente homens, havendo esse débito com as mulheres. Ao mesmo tempo, esse fato aumenta a minha responsabilidade e reforça os meus compromissos, os mesmos de quando assumi, também como a primeira mulher, a presidência da Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Por que as mulheres não têm maior representatividade na política?
Somos, hoje, a maioria da população e do eleitorado brasileiro, além do percentual também maior dos estudantes universitários. Somos 80% dos professores da educação básica. Se somos tantas, e em funções de tamanha importância, até mesmo na preparação das bases para a construção do nosso futuro, por que as nossas instituições de poder mantêm o timbre masculino nas suas direções maiores?

Qual a importância do Senado, neste momento de crises múltiplas, econômica, social, sanitária e humanitária?
O Senado desempenhará o mesmo papel de quando foi chamado em outros momentos de crise. E eles foram muitos e de crises igualmente profundas. Teremos de caminhar, em conjunto com as demais instituições, no sentido de um grande projeto de desenvolvimento nacional e não somente crescimento. A pandemia desnudou, ainda mais, o que mais nos envergonha no cenário mundial: as nossas desigualdades sociais. Aí mora o conceito de desenvolvimento que eu incluo no nosso necessário projeto nacional.

O Senado terá um papel importante na construção deste projeto?
No curtíssimo prazo, dois assuntos devem ser absolutamente prioritários: a política nacional de imunização contra a Covid que, além do degrau da crise sanitária, se elevou ao patamar da crise humanitária e a definição de um valor para a continuidade do auxílio emergencial, dentro dos limites fiscais e com o devido cuidado para que ele se direcione a quem, de fato, necessita.

E as reformas?
No conjunto maior dos assuntos, em especial quanto às necessárias reformas estruturantes, como a tributária e a administrativa, diria que o papel do Senado é o da arquitetura, cabendo a engenharia ao Executivo, que é quem detém as informações necessárias ao alicerce das propostas legislativas. Nestes mesmos casos, a necessidade da harmonia institucional também sobe de patamar.

A tramitação das reformas anda a passos lentos no Congresso Nacional, não?
Evidente que sim. Para quem diz que a pandemia paralisou a discussão de matérias das mais importantes para o país, como a reforma tributária, eu não chego a negar, mas creio que ela também trouxe um efeito propulsor do daqui em diante. Não será imediata a recuperação da nossa economia e a consequente geração de empregos, mas ela será ainda mais arrastada no tempo se não fizermos o nosso dever de casa no sentido de solucionar a perversidade do nosso sistema tributário, onde quem ganha menos paga mais.

A senhora se coloca como crítica à proposta enviada pelo governo ao Congresso. O que precisa mudar para o projeto ser aprovado?
A minha crítica sempre foi no sentido de dar agilidade e melhor conteúdo à proposta. Dentre todas as reformas, a tributária é um dos melhores exemplos de proposta que não pode ser gerada, unicamente, a partir do Congresso. É o Executivo que detém as principais informações sobre a questão fiscal. Faltam-nos informações essenciais, assim como avaliações de dados de auditoria sobre renúncias fiscais e o tamanho da dívida dos estados. O governo se apegou a um arremedo de reforma. Se prendeu à “nota só”, que foi a criação de um novo imposto sobre transações financeiras, o que eu chamei de “CPMF de batom”.

Se eleita a senhora fará oposição ao governo?
O presidente do Senado não pode ser um crítico contumaz, mas também não um mero subordinado a outros poderes.