Uma combinação de circunstâncias adversas torna os times brasileiros reféns de complexas operações logísticas. Antes de entrar em campo para uma partida, os jogadores precisam chegar em segurança ao estádio, o que muitas vezes exige deslocamentos tão exaustivos quanto perigosos. O transporte dos atletas e da comissão técnica é uma das etapas mais delicadas para garantir o sucesso de um evento esportivo. No futebol brasileiro, cujo calendário obriga os grandes clubes a realizar até 80 partidas por ano (contra 60 na Europa), o risco de que algo dê errado é ainda maior. Em 2016 os brasileiros disputaram sete campeonatos, quase todos simultâneos ao Brasileirão, que começou em maio e chega ao fim agora em dezembro. “Há um desequilíbrio no futebol brasileiro, no qual 90% dos clubes jogam pouco e 10% jogam demais”, afirma Paulo André, zagueiro do Clube Atlético Paranaense. Ele foi um dos líderes do movimento Bom Senso, iniciativa que propôs, entre outros pontos, a reformulação do calendário dos campeonatos. “A falta de uma agenda equilibrada impede que a elite do futebol atinja seu potencial máximo por conta do excesso de jogos, falta de preparo e treinamentos insuficientes gerado pelo desgaste das partidas e das viagens”, diz ele.

Duas voltas na terra

O calendário não é o único culpado. Em 2016, com o Maracanã cedido para a Olimpíada do Rio de Janeiro, o Flamengo ficou sem estádio e foi obrigado a realizar a maioria de seus jogos fora de casa. “Percorremos a distância de duas voltas e meia em torno da Terra”, afirma Marcio Macculloch, diretor de comunicação do Flamengo. Quando participa de um torneio que envolve viagens por países da América do Sul, os clubes brasileiros sofrem ainda mais com a parca infraestrutura dos aeroportos, a pouca disponibilidade de voos, a falta de fiscalização por parte das entidades e até com estradas precárias. Em 2012, a equipe do São Paulo teve de viajar por quase 24 horas, pegando três aviões e um ônibus até chegar à cidade de Loja, no Equador, onde enfrentou a LDU. A partida era válida pela Copa Sul-Americana. O empate, em zero a zero, foi comemorado como uma vitória para a equipe que viajou por tanto tempo, incluindo um trecho de quatro horas em ônibus local, numa estrada perigosa da Cordilheira Andes, com baixa visibilidade, ladeada de abismos e com animais na via.

Para complicar ainda mais a vida dos clubes, algumas das grandes viagens precisam ser organizadas em apenas três dias, já quem em fase de “mata a mata” é impossível saber com antecedência o local do próximo jogo. Os times contam com seus departamentos administrativos, que planejam os roteiros, orçam transportes, reservam hotéis, definem cardápios e administram os custos de cada deslocamento. Como não dá para cuidar de tudo, empresas terceirizadas são contratadas para acompanhar os atletas quando eles saem e chegam ao local de cada partida, fazendo check-ins antecipados, organizando a ida para os hotéis e preparando todos os lugares pelos quais o clube irá passar. Essa é a especialidade da OFF Side, que há duas décadas atua no segmento e tem como clientes os cariocas Flamengo e Fluminense, o Grêmio de Porto Alegre, o chileno Colo Colo e o Estudiantes, da Argentina.

A Chapecoense também tinha contrato com a empresa. Seu proprietário, Rodrigo Ernesto, era o responsável pelo receptivo da equipe de Santa Cantarina na Colômbia. Ele aguardava o voo que nunca chegou. “Dessa vez, ao invés de ajudar os jogadores a realizar uma bela partida, ganhamos a triste função de colaborar no processo de liberação dos corpos”, diz Ernesto. “Perdi cinquenta amigos de uma vez só”.

A história do futebol mundial registra acidentes aéreos em que equipes foram destruídas, mas nenhum foi tão trágico como o da noite da segunda-feira 28. Para evitar o desaparecimento de equipes inteiras, alguns clubes já planejam dividi-las em voos diferentes. A estratégia é usada no mundo corporativo, e até em famílias. Vinte dias antes do acidente com a Chapecoense, o mesmo avião havia transportado a seleção argentina. Após a tragédia, a associação de futebol do país anunciou que estuda manter sua própria aeronave para servir à seleção – e até aos clubes. “Já tive esse sonho, mas não o vejo como uma possibilidade real”, diz Edu Gaspar, atual coordenador técnico da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Se não foi possível proteger os dezenove jogadores e os outros 52 passageiros que perderam suas vidas, que a tragédia da Chapecoense ao menos sirva como impulso para que melhorias aconteçam.

Desastres aéreos no esporte

Outros acidentes que dizimaram equipes ao redor do mundo

Torino (1949)
O acidente matou 18 jogadores do time italiano do Torino, à época tetracampeão nacional. O avião bateu nos muros da basílica de Superga, nos arredores de Turim, na volta de um amistoso em Portugal

Manchester United (1958)

36
O avião caiu após a terceira tentativa de decolagem no aeroporto de Munique, onde as condições de visibilidade eram ruins. A equipe voltava para a Inglaterra após uma partida na Sérvia. Oito jogadores morreram

Seleção Olímpica da Dinamarca (1960)
A tragédia ocorreu logo após a decolagem do aeroporto de Kastrup, em Copenhague. No voo estavam atletas da seleção dinamarquesa que jogariam os Jogos Olímpicos de Roma. Oito jogadores morreram

Green Cross (1961)
Oito jogadores do time chileno de futebol Green Cross morreram quando o voo 210 da LAN caiu na Cordilheira dos Andes. Três árbitros, dois dirigentes e o treinador do time também estavam a bordo

The Strongest (1969)

35
O avião que levava o The Strongest, da Bolívia, bateu na região montanhosa de Viloco, a 150 km ao sul de La Paz. Havia 74 pessoas a bordo, entre as quais 16 jogadores e três integrantes da comissão técnica. Ninguém sobreviveu

Old Christians Club (1972)
Um avião com 45 pessoas, entre elas jogadores e membros da equipe técnica do time de rúgbi uruguaio Old Christians Club, caiu na Cordilheira dos Andes. Dos 29 sobreviventes, oito morreram após uma avalanche. Os demais sobreviveram comendo partes dos corpos dos passageiros mortos

Alianza Lima (1987)
O Fokker F27, da Marinha do Peru, que levava o time líder do Campeonato Peruano, caiu no mar, próximo ao distrito de Ventanilla. Quarenta e três pessoas morreram, entre jogadores, comissão técnica, torcedores e tripulação. O piloto sobreviveu