ESPERANÇA Alunos da Escola Estadual Professora Regina Miranda Brant de Carvalho, em Marsilac, São Paulo, encerram primeiro semestre de 2022: luta contra a evasão (Crédito:GABRIEL REIS)

Na quarta-feira (6), às 15h, Lucas Eduardo Pereira dos Santos, 15 anos, saiu para trabalhar pelas ruas de Campos Elíseos, em São Paulo, onde mora. Ele saiu com a avó para recolher material para a reciclagem. Voltou às 19h. Com sorte, conseguiu latinhas para vender em um ferro-velho por pouco mais de R$ 3 o quilo. Essa é a realidade do adolescente em 2022. No horário em que deveria estar na escola, ele trabalha para complementar a renda familiar. A necessidade tirou Santos da sala de aula, que perdeu o 9º ano. “Foi difícil sair, porque adoro estudar. Mas precisava ajudar minha mãe, avó e meus quatro irmãos. Enxergo como uma decisão difícil da vida, mas que tem que ser tomada”, admite. A maturidade surpreende. “Não é a primeira vez que me dizem isso”, continua. Nos últimos meses, ele foi operador de telemarketing, entregador e ajudante geral em uma loja. No comércio, trabalhava demais. “Chegava de manhã, limpava o lugar, repunha os produtos, atendia os clientes e fazia entregas. E, geralmente, eram pesadas e distantes. Era muita ladeira e cansava”, narra. Por isso, partiu para a reciclagem. Livia Pereira da Silva, mãe do adolescente, se entristece. “Ele foi trabalhar e teve problema porque não podia ser registrado. Acabou perdendo a vaga na escola. Mas ano que vem, vou fazer de tudo e ele volta a estudar”, avisa. Os irmãos do menino seguem no colégio e graças ao Instituto Sonhe, organização não governamental de São Paulo, frequentam cursos como jiu-jítsu e futebol. “A instituição ajuda com cesta básica”, acrescenta ela.

A realidade de Lucas está no relatório do 4º ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação, divulgado pelo Inep. A proporção de crianças de 6 a 14 anos matriculadas ou que concluíram o ensino fundamental caiu de 98% para 95,9% de 2020 para 2021. “É um reflexo da crise causada pela pandemia de Covid-19. Esse recuo, ocorrido em um ano, representa, em perspectiva histórica, um retrocesso de cerca de dez anos no indicador, visto que, para 2011, ele foi estimado em 96,1%”, escancara o informe.

AVISO Olavo Nogueira Filho, diretor do Todos Pela Educação, destaca que dados dramáticos são “placa de alerta” para a Nação (Crédito:Divulgação)

“A soma dos últimos três governantes é terrível para o País. Estamos, em algumas metas, caminhando  para trás”
Daniel Cara, professor  da Faculdade de  Educação da USP

A professora da Faculdade de Educação da Unicamp, Theresa Adrião, destaca mais dados alarmantes da análise. “O que dizer da frequência na escola e das matrículas de crianças com cinco anos que caíram para 84,9% em 2021, patamar inferior ao estimado em 2019 (97,2%). Em 2019, 6% das crianças de quatro e cinco anos estavam fora da escola e isto deve ser amplificado com o aumento da pobreza e do desemprego”, aponta. “Evidente que o desserviço prestado pelo Ministério da Educação durante o atual governo é fator diretamente relacionado aos tristes dados. Se formos em busca não apenas do acesso e da cobertura mas da qualidade do atendimento educacional, o desinvestimento fica mais evidente”, completa ela.

O diretor-executivo do Todos Pela Educação, Olavo Nogueira Filho, adverte sobre a fatia que está fora da escola – cerca de um milhão. “Esse é um dado do início de 2021, ou seja, ainda não pega o impacto de boa parte do que aconteceu ano passado. Esse é o ponto. Uma espécie de placa de alerta. E essa placa diz: se no curto prazo não forem realizados esforços específicos e intensivos, provavelmente, esses indicadores continuarão declinando”, enfatiza. “A agenda de mitigação dos efeitos pós-pandemia não se encerra daqui alguns meses e não sumirá com o término das eleições. Os próximos governos – federal e estaduais – terão de manter viva e forte uma avenida de esforços que, entre outras questões, envolve busca ativa para garantir retorno e permanência de todos na escola, redimensionamento curricular, recuperação da aprendizagem e políticas voltadas à saúde emocional dos estudantes”, considera. O aspecto psicológico dos alunos, aliás, foi o ponto de trabalho de André Luis Klein Barbas, diretor da Escola Estadual Professora Regina Miranda Brant de Carvalho, em Marsilac, São Paulo.

ESFORÇOS André Luis Klein Barbas, diretor da escola Regina Miranda, tenta envolver as famílias para impedir o abandono escolar: jovens vão em busca de renda (Crédito:GABRIEL REIS)

Durante o período da Covid-19, ele se aproximou das famílias para lutar contra a evasão. “Estamos na região de maior vulnerabilidade social do Estado de São Paulo, com o menor Índice de Desenvolvimento Humano, falta de acesso à rede de telefonia celular e internet. A escola é responsável por buscar alternativas de atendimento”, realça. A equipe gestora da unidade, professores, funcionários e voluntários partiram para a ação para “promover o acolhimento socioemocional”. “Atuamos em rede com Unidades Básicas de Saúde, Centro de Referência da Assistência Social, organizações não governamentais e, principalmente, famílias nos pontos por onde o transporte escolar circula. Conseguimos levar atividade impressa aos alunos, bem como auxiliar quem necessita de amparo social, com doação, inclusive, de cestas básicas”, lista. A tática resultou na redução nos indicadores de evasão.

“O desserviço prestado pelo Ministério da Educação durante o atual governo é fator diretamente relacionado aos tristes dados” Theresa Adrião, professora da Faculdade de Educação da Unicamp

UNIÃO A escola tem o dever de promover acolhimento socioemocional dos alunos e das famílias (Crédito:GABRIEL REIS)

O professor da Faculdade de Educação da USP, Daniel Cara, aplaude o mérito de professores como os de Marsilac. Mas avalia que o desleixo governamental terá consequências. “A soma dos últimos três governantes [Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro] é terrível para o País. Estamos, em algumas metas, caminhando para trás, o que demonstra que, no fundo, ensino nunca foi prioridade de nenhum governo. Não é a área a que se dedicam para poder estabelecer um processo de desenvolvimento do País. No relatório de 2024, o impacto da pandemia será avassalador”, diz Cara. “Não tenho dúvida de que o povo brasileiro valoriza a educação. Nós temos um desafio de uma política econômica injusta e uma política educacional frágil. Se superarmos esses gargalos, mudaremos o País”, finaliza. Em 2023, ao menos, um jovem deverá voltar para a escola: Lucas dos Santos.