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Um dia antes de morrer, a nutricionista e instrumentadora cirúrgica Ilana Kalil, de 40 anos, estava inconformada com cenas que tinha visto no Instagram. Perturbava-lhe profundamente a atenção que algumas amigas de sempre tinham dado para a influencer Shantal Verdelho, sua desafeta, na festa de casamento de Lu Tranchesi, herdeira da Daslu, com o empresário Rafael Luzzi, sábado, 12. Ilana, que não foi convidada, se sentiu traída e fez postagens críticas contra as antigas companheiras que, no evento, pareciam aliadas de Shantal. Logo depois apagou as mensagens, mas se revoltou porque se sentia censurada nas mídias sociais e não podia falar o que queria. O problema é que Shantal acusa o marido de Ilana, o médico Renato Kalil, de violência obstétrica, abuso cometido na ocasião do parto de sua filha, Domênica, em setembro do ano passado, na Maternidade São Luiz, em São Paulo.

A situação vem provocando constrangimento e vergonha pública para a família e transformou Renato, até então um dos obstetras mais bem afamados do País, com, segundo declara, cerca de dez mil partos realizados em 35 anos de carreira, em um personagem obscuro que está tendo que se explicar na Justiça. Sua mulher, que já sofria com depressão e tomava remédios controlados, teve sua condição psiquiátrica agravada nos últimos meses. A morte foi registrada como suicídio consumado no 89º Distrito Policial, no Morumbi, mas ainda se averigua se houve crime. Falta analisar o laudo do Instituto Médico Legal (IML) e da perícia para que a suspeita seja confirmada pela polícia. O Ministério Público de São Paulo também abriu uma investigação sobre as circunstâncias da morte.

ASSÉDIO A jornalista Samantha Pearson foi alvo de insinuações gordofóbicas proferidas por Kalil (Crédito:Divulgação)

A vida da família Kalil virou de ponta-cabeça depois que ele começou a sofrer acusações de violência obstétrica e de abusos morais e sexuais. Assim que o caso de Shantal veio a público, várias outras vítimas do passado começaram a aparecer dispostas a depor contra ele. O médico é investigado atualmente pela polícia, pelo Ministério Público e pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) por atos impróprios e antiéticos cometidos em seus atendimentos. No Ministério Público, é acusado por cinco mulheres, incluindo Shantal e a jornalista britânica Samantha Pearson, que, no seu segundo parto, se sentiu humilhada por Renato por causa de insinuações gordofóbicas. Outras mulheres afirmam ter sido vítimas de abusos sexuais do médico, como uma ex-enfermeira que trabalhou no seu consultório. Na investigação em andamento no 27º Distrito Policial, 21 pessoas, entre pacientes e testemunhas, denunciam Kalil por várias condutas desviantes no exercício da profissão. No âmbito doméstico, há também duas ex-babás que trabalharam em sua casa e o acusam de importunação e comportamento libidinoso.

Novas vítimas

“Independente dos últimos acontecimentos, a gente vai continuar o processo e ele vai responder por seus atos e pelos crimes que lhe forem imputados”, diz o advogado Sergei Cobra Arbex, que representa Shantal numa queixa-crime por difamação e injúria, devido aos xingamentos proferidos pelo médico contra a influencer no momento do parto. Segundo Arbex, novas denúncias continuam a chegar no 27º DP – nos últimos dias, ele próprio ouviu mais duas possíveis vítimas – e revelam que Kalil assediava pacientes e funcionárias de maneira sistemática. O médico ainda não foi ouvido no inquérito e nem foi indiciado. A expectativa do advogado é que ele seja denunciado à Justiça em abril. A defesa de Kalil nega todas as acusações contra ele e diz que se tratam de “histórias fantasiosas” e de “denúncias improcedentes”. No caso de Shantal, que teve o parto filmado pelo marido, Mateus Verdelho, e usa o filme como prova da violência no parto, ele alegou que o vídeo foi manipulado e teve trechos tirados de contexto.

VIOLÊNCIA A influencer Shantal Verdelho sofreu agressões verbais e físicas do obstetra na hora do parto (Crédito:Divulgação)

Nas redes sociais, logo que surgiram as primeiras denúncias, Ilana costumava defender Kalil com vigor. Eles eram casados há 15 anos e tinham duas filhas. Ilana era a parte mais ativa nos ataques à Shantal e a criticava diretamente ou por meio de páginas de terceiros pelas acusações contra o marido, que considerava infundadas. Ela, inclusive, trabalhava ao seu lado como instrumentadora cirúrgica. A certa altura, a nutricionista foi aconselhada a se conter nas postagens, pois poderia prejudicar a defesa de Kalil. Mas no fim de semana antes de sua morte, voltou à carga no Instagram e ficou desalentada com o que viu no casamento de Lu Tranchesi. No seu último texto nos Stories, disse: “Fui censurada de novo. E lá vai. Quem viu, viu. Quem não viu, não vai ver mais. E viva a ditadura.”

Em depoimento à polícia, Kalil contou que a mulher sofria de “irritabilidade freqüente” e recebia acompanhamento psiquiátrico. No dia do óbito, segundo o médico, Ilana estava especialmente abalada com seus problemas nas redes sociais e não conseguia dormir. Ele lembrou que na madrugada de segunda-feira, 14, quando morreu, ela teria se irritado ao apagar a conta do Instagram “por causa de questões que o casal vinha enfrentando”. E afirmou também que possuía uma caixa com várias cartas de despedida da mulher e que ela havia tentado o suicídio outras vezes usando medicamentos e objetos. Resta que todas as provas periciais e do IML sejam apuradas para que não fique nenhuma dúvida sobre o caso. Enquanto isso, Kalil ainda precisa se explicar sobre os outros assuntos.