Harye, de 13 anos, sente o peso de ser a voz e os ouvidos de sua família nos Estados Unidos. Esse é um difícil papel de milhões de crianças migrantes e também o tema de “Tradutores”, um curta-metragem que estreia no Festival Internacional de Cinema Latino de Los Angeles.

“Há cerca de 11 milhões de crianças que traduzem para seus pais”, menciona o diretor Rudy Valdes em entrevista à AFP.

“Nós tendemos a pensar na linguagem como uma barreira, mas é na verdade uma porta de acesso e é isso que as crianças fazem por seus pais, lhes abrem as portas aos hospitais, às escolas, ao departamento de trânsito, de tudo”.

O curta-metragem aponta para uma questão latente nos Estados Unidos, cuja sociedade tem posições polarizadas acerca da abordagem da migração. Valdez diz que o conceito de sua obra evita politizar a discussão, focando nas crianças e seus desafios.

Com 21 minutos de duração, “Tradutores” acompanha Harye, que migrou da Colômbia, Densel (11 anos), que chegou da Guatemala nos Estados Unidos acompanhado de seus pais e seu irmão mais novo e o cotidiano da venezuelana Virginia (16 anos) com sua família.

Os três protagonistas contam como foi difícil aprender a falar inglês ao chegarem nos Estados Unidos e de que maneira conciliam o papel de ‘tradutor’ para seus parentes com os hobbies e as responsabilidades típicas da adolescência.

Em uma das cenas, Densel precisa traduzir para a mãe as observações da professora que, paradoxalmente, fala sobre os desafios do jovem em seguir o currículo escolar.

A mãe, que depende do filho para entender como vai sua vida acadêmica, pergunta como pode ajudar. “Tem que ficar em cima para que eu leia mais”, responde Densel, que traduz com profissionalismo como se fosse uma terceira pessoa.

“É um lembrete de que eles são crianças e às vezes eles são muito exigidos”, diz Valdez.

“O que vemos é uma jornada marcada pela responsabilidade. Às vezes são coisas tão simples como traduzir uma ligação ou uma carta, mas outras vezes trata-se de uma cirurgia importante”, acrescenta.

“Queríamos mostrar como isso faz parte do dia a dia deles, não algo ocasional”.

– “Laço de família” –

Valdez, que já ganhou dois prêmios Emmy por seu trabalho documental – entre outros reconhecimentos -, escolheu as famílias com o critério de que pudessem mostrar diferentes situações, contextos e fases de suas vidas.

Enquanto Virginia pensa em ficar perto de sua família após o ensino médio, para continuar sendo o elo deles com o mundo exterior, Densel luta com o desafio de se adaptar a outro idioma e concluir os trabalhos acadêmicos sem poder recorrer aos adultos em casa.

Para Harye, às vezes, a responsabilidade chega a ser muito pesada. Ser a tradutora entre os médicos e seus pais sobre uma cirurgia à qual sua irmã mais nova deve se submeter torna a tarefa assustadora.

“Algo que me impressionou enquanto filmava é esse vínculo familiar que se cria, como uma equipe trabalhando junto para avançar no mundo”, diz Valdez, de 43 anos. “Foi uma coisa linda de ver”.

“Tradutores” foi exibido em Hollywood no domingo, durante o último dia do Festival Internacional de Cinema Latino de Los Angeles de 2023.

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