02/09/2019 - 6:01
Um ano após o incêndio que destruiu o Museu Nacional, o trabalho de pesquisa na instituição está mais ativa do que nunca. É o que afirma o biólogo Paulo Buckup, sem deixar de mencionar as inúmeras dificuldades enfrentadas nesse período pelos cientistas, professores e estudantes, como perda de material científico, de livros e de espaço físico, além de cortes no orçamento da universidade.
O Museu Nacional é uma instituição de exposição e de pesquisa, vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O prédio histórico, que fica no parque da Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, zona norte do Rio de Janeiro, foi atingido por um incêndio na noite do dia 2 de setembro de 2018.
Foi destruída pelas chamas toda a estrutura interna da construção, chamada de Palácio de São Cristóvão, que serviu de residência para a família imperial brasileira da proclamação da independência, em 1822, até a proclamação da república, em 1889. Além da exposição de história natural, o local abrigava laboratórios, uma biblioteca e acervo de pesquisa científica.
Buckup, que no dia da tragédia foi ao local ajudar no resgate emergencial do que fosse possível, conta que não perdeu material de sua própria pesquisa, mas agora precisa compartilhar com os colegas afetados pelo incêndio o espaço de seu laboratório, que fica no Horto Botânico, também dentro da Quinta da Boa Vista, mas distante 500 metros do palácio.
“A gente está hospedando vários docentes de departamentos atingidos na nossa área física, isso é uma limitação para a pesquisa, tanto nossa, que a gente deixa de dispor de determinadas áreas, quanto dos outros departamentos. Eles precisam de espaço para pesquisa, microscópio, equipamentos, até reconstituir o laboratório deles, e do acervo, que eles estão reconstituindo. É fundamental que se reconstrua os laboratórios e prédios”.
Segundo ele, apesar do processo conturbado, o Museu continua com uma atividade muito intensa, com técnicos e pesquisadores se alternando entre as atividades na área de resgate e o trabalho de pesquisa.
“Há, paradoxalmente, um aumento muito grande da atividade, porque as atividades das pós-graduações e científicas continuam, até de uma forma mais exacerbada porque, além da pesquisa de rotina, é necessário providenciar todas as coisas para reconstruir a capacidade de pesquisa da instituição. Uma barreira é a questão do espaço físico, para que essas atividades possam, paulatinamente, voltar à normalidade”.
Coleção africana perdida
Por outro lado, a professora Mariza Soares ficou totalmente desanimada com as perdas irreparáveis que o incêndio causou à sua área de pesquisa e se mudou para São Paulo. Ela não é ligada ao Museu Nacional, mas foi a curadora da exposição Kumbukumbu, sobre arte africana, praticamente toda perdida na tragédia.
“O espaço onde ficava a exposição já foi todo limpo, já retiraram tudo o que tinha e eles encontraram um número significativo de peças da coleção africana. Mas o que conseguiram recuperar foi basicamente as peças de metal. Toda a parte de madeira, os marfins, tudo que era palha, toda essa parte desapareceu. A gente tem basicamente pontas de flecha, um agogô e outras peças rituais do candomblé da Bahia e algumas correntes de escravos”.
Segundo Mariza, as peças mais valiosas da coleção, que eram feitas de madeira, tecido e palha, se perderam completamente. Professora aposentada da Universidade Federal Fluminense (UFF), Mariza conta que pretendia aprofundar sua pesquisa sobre o acervo africano do Museu Nacional, mas o incêndio incinerou seus planos.
“Além da perda das coleções, a perda do material de pesquisa do pessoal que trabalhava lá. A gente não perdeu só os objetos, tudo o que eu tinha de bibliografia, de textos, anotações, que eu tinha em uma mesa lá, tudo que era físico foi embora, só salvou o que eu estava no meu computador. Assim como os outros pesquisadores. A biblioteca de antropologia, que é a mais importante para os estudos africanos, estava dentro do prédio e queimou”.
Ela se refere à Biblioteca Francisca Keller, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, que tinha 37 mil documentos e livros e foi totalmente incinerada. “Era uma das bibliotecas que tinha a maior coleção de obras sobre África no Brasil, era uma biblioteca que comprava material, então tinha material recente”, lamenta Mariza.
A exposição de arte africana havia sido inaugurada em maio de 2014. A professora lembra que o tema é muito pouco estudado e exposto no Brasil e no mundo.
“Tem muito material afro-brasileiro, mas coleções africanas mesmo a gente tem muito pouca coisa. Tem uma coleção muito boa no museu da USP, mas são peças do século 20, a nossa era do século 19. Tem uma boa no Museu Goeldi em Belém, outra na Bahia, mas são todas mais recentes. Uma antiga como a do Museu Nacional não existe. São coleções muito pouco conhecidas e muito pouco estudadas. A gente não consegue nem avaliar, porque deveria haver um investimento de pesquisa nessas coleções”.
Além disso, uma exposição itinerante montada por Mariza com o Museu Nacional também se perdeu no incêndio. “Queimou também o material enorme que eu tinha feito, financiado pela Faperj, preparado uma exposição itinerante, que era muito grande, com muito material. A gente tinha desmontado ela em Duque de Caxias e levado para o Museu Nacional, para esperar e montar em outro lugar”.
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