O economista Roberto Macedo acha que o presidente Lula comprou um problema ao anunciar que deixaria de lado o plano de zerar o déficit público em 2024. Com isso, desacreditou o arcabouço fiscal e sinalizou que vai adotar uma política de blindar os gastos, deixando de lado a possibilidade de cortes. Pior: ao privilegiar investimentos do PAC, o governo pode levar a um aumento do endividamento e pressionar os juros. Mesmo assim, o especialista diz que torce por Fernando Haddad. Ele faz essas considerações com a experiência de quem já passou pelo centro do poder. Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo de Fernando Collor e, como consultor econômico, tem sido uma voz influente no cenário nacional. Ele diz que o governo perdeu a oportunidade de reduzir despesas no início do mandato, quando seria mais fácil, e não se mostra otimista com a alta do PIB. Afirma que não vê ninguém fazendo nada pela alta do crescimento, e que isso será visível no próximo ano. Em 2023, a expansão prevista se deve à performance do agronegócio e à aprovação da PEC da Transição, que impulsionaram a demanda. Apesar dos problemas, Macedo sinaliza que é positivo o fato de o Banco Central não estar alinhado automaticamente à atual gestão.

O presidente afirmou que a meta fiscal de 2024 não precisa ser zero e depois disse que os ministros precisam gastar. Lula está agindo contra o arcabouço fiscal proposto por Fernando Haddad?
Ele continua agindo assim, e uma das coisas interessantes é que Fernando Haddad não desistiu de encaminhar propostas para o Congresso. É difícil prever qual será o resultado disso, mas é uma situação desafiadora para o ministro. Parece que ele está muito comprometido com sua posição. Caso contrário, talvez pedisse demissão.

Haverá impacto no crescimento do PIB ou nos indicadores econômicos do País com essa mudança na forma de abordar a meta fiscal?
Pelo que entendi, a repercussão no mercado foi negativa. O mercado tende a favorecer a austeridade a curto prazo, como indicado no boletim Focus, que prevê comprometimento nos próximos anos. Um ajuste fiscal seria benéfico, pois criaria um ambiente econômico mais favorável para investimentos. Atualmente, a questão fiscal gera incerteza e afasta investidores estrangeiros. Quando o governo gasta demais, prejudica o crescimento econômico, pois impede uma queda maior nas taxas de juros. Além disso, aumenta a dívida e os juros a serem pagos. O Lula e a Dilma Rousseff seguiram uma abordagem de gastos. Mas é importante considerar como essas despesas são financiadas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o dólar é a moeda predominante, enquanto no Brasil, ao se fazer dívidas, as taxas de juros exigidas pelos credores são maiores. É importante também olhar não apenas o resultado primário, mas igualmente o resultado nominal, que mostra um valor mais alto devido aos juros da dívida.

Fernando Haddad está irremediavelmente enfraquecido ou ainda terá força para defender o equilíbrio fiscal?
Se eu estivesse na posição dele, também preferiria uma derrota menor, certo? Acredito que ele deve resistir e lutar para ver se consegue algum avanço em sua direção. Mesmo que não seja possível chegar a um déficit zero, é importante que ele demonstre que lutou por isso. Como mencionei antes, também torço por ele.

O deputado Danilo Forte (União), relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, afirmou que as declarações de Lula representaram um comando para alterar a meta fiscal de 2024. Mesmo assim, nos últimos dias, fontes do Planalto disseram que não haveria mudança na meta. Com essas sinalizações, o arcabouço fiscal fica desacreditado?
Ele ficou desacreditado, assim como a ideia da contenção de gastos em si. Porém, do ponto de vista clássico, Haddad decidiu manter o projeto visando mudar o resultado para 2024. Pelo que entendo, o Haddad continua falando como se a meta de déficit ainda estivesse sendo mantida. Vamos aguardar para ver o que acontece. É por isso que no Brasil o assunto econômico sempre é tão discutido. Já morei em vários países, como Inglaterra e Estados Unidos, e lá os jornais não dão tanta atenção aos economistas. Como dizem, “a problemática ainda está longe de ser solucionática”.

O governo vai conseguir manter a agenda econômica no Congresso de medidas arrecadatórias e garantir a aprovação final da Reforma Tributária?
Esse projeto da Reforma, que foi aprovado pela Câmara e pelo Senado, não é perfeito, mas acredita-se que trará menos burocracia, judicialização e conflitos entre os estados do que o sistema atual. Além disso, à medida que o projeto for implementado gradualmente, espera-se resolver os problemas relacionados aos impostos. No entanto, é evidente que a Reforma precisa ser aprimorada, pois sua estrutura é superior à existente. O desafio para o Brasil é o que será feito com o restante do projeto. Eu já trabalhei no governo e uma das minhas funções era negociar com o Congresso, então conheço bem o funcionamento. O sistema político no Brasil é bastante diferente do britânico ou norte-americano, por exemplo. Aqui, quando o partido de oposição se opõe, nem sempre é possível obter consenso e fazer avançar as propostas. No Congresso, especialmente na Câmara, o que move a cabeça dos parlamentares é, muitas vezes, a emenda parlamentar.

Lula mencionou que não quer fazer cortes em gastos para obras. Faz sentido privilegiar os investimentos do PAC em relação a outros setores?
Não faz sentido privilegiar os investimentos do PAC em relação a outros setores, pois isso pode levar a um aumento do endividamento e agravar a dívida e os juros. É importante buscar um equilíbrio entre os investimentos em obras e os demais setores, considerando a sustentabilidade financeira do País.

O sr. acha que o governo está reproduzindo erros da gestão Dilma? Naquele governo, o desequilíbrio fiscal levou à recessão, alta da inflação e maior desemprego.
A ex-presidente Dilma não era boa de trato, além dos desafios econômicos que enfrentava. Era muito autoritária. Tinha muito daquele espírito de deixa comigo. Mas quando se fala de política é preciso ter um melhor traquejo. Ela perdeu o apoio político. Na minha visão, acho que ela caiu por causa disso. Porque outros governos fizeram algumas lambanças parecidas com o que ela fez e não acabaram como ela. Acho que foi a postura inflexível de Dilma que contribuiu para sua queda. Outro problema da gestão dela é que o Banco Central fazia o que ela queria. Agora, na gestão atual de Lula, ainda existe um caminho, apesar dos erros. Ainda está melhor do que o governo da Dilma, sem dúvida!

“Torço pelo Fernando Haddad”, diz Roberto Macedo, ex-colaborador de Collor
“Se eu estivesse na posição de Fernando Haddad, também preferiria uma derrota menor. Acredito que ele deve resistir e lutar para ver se consegue avanço em direção ao déficit zero” (Crédito:Michele Spatari/AFP)

Falando em Banco Central, o que o sr. tem achado do Roberto Campos Neto à frente da instituição?
Conheci o avô do Roberto Campos Neto. Acho que ele deixa a desejar. É muito um cara do mercado financeiro. Trabalha com aquela cabeça típica de diretor do Banco Central, que é vestir a camisa do mercado. Talvez, não posso afirmar isso, não sei o que ele pensa do futuro, mas muitos costumam pensar em obter depois uma empresa nesse mercado na hora de deixar a instituição. Ele quer ficar bem com o mercado.

Um corte de despesas, como proposto em um estudo do Banco Mundial, seria ideal para melhorar a eficiência e a equidade do gasto público no Brasil? O sr. mencionou que passou cópias desse estudo a dois membros do governo, mas as recomendações não foram levadas em consideração. Por que o sr. acredita que isso ocorreu e como isso impacta a governança econômica do País?
Sim, um corte seria importante. Mas ninguém quer fazer isso. Isso devia ser feito num começo de mandato, assim que o sujeito entrasse. No estudo tem muitas ideias interessantes, apesar de o Banco Mundial provavelmente não ter tido condição de examinar a viabilidade política. O programa Bolsa Família é um exemplo. O cadastro é ruim, tem muita gente que recebe sem ter direito, entende? Muita gente! A Previdência também parece que tem problema no cadastro. Porque não está na cabeça do Lula fazer esse tipo de ajuste. O que impacta na governança econômica do País é que se você não faz os ajustes pelo lado das despesas está fazendo pelo lado da receita como quer o Haddad.

O governo não deveria privilegiar uma reforma administrativa? Um ajuste pelo lado das despesas poderia abrir espaço para a ampliação dos investimentos privados e gerar um clima adequado para as eleições de 2026?
Acho que para fazer uma reforma administrativa teria que contemplar os gastos. Se tiver uma reforma administrativa com esse conteúdo, acho muito importante. Agora, se forem adotadas só medidas administrativas, não vai adiantar nada. Teria dois efeitos. Você poderia aumentar os investimentos públicos se conseguisse reduzir alguns gastos, mas sempre sem criar déficits primários, certo? Isso melhoraria muito o clima. O governo diminuindo seu endividamento abriria espaço para juros menores. Se fosse mais a fundo, poderia até reduzir gastos para aumentar o investimento com restrição de não gerar o déficit primário.

“Torço pelo Fernando Haddad”, diz Roberto Macedo, ex-colaborador de Collor
“Conheci o avô do Roberto Campos Neto. Acho que ele deixa a desejar. Ele é muito um cara do mercado financeiro, quer ficar bem com o mercado” (Crédito:Sérgio Lima/AFP)

O boletim Focus do Banco Central prevê um crescimento do PIB de 2,89% em 2023 e apenas de 1,5% em 2024. Em sua opinião, o governo está caminhando para retomar o crescimento?
Olha, não vejo ninguém fazendo nada. Muito pelo contrário. Só vai piorando a perspectiva do crescimento com o comportamento deles. E esse crescimento em 2023, o pessoal tem que perceber que foi excepcional. Foi por conta do agronegócio e da PEC da Transição, foram eles que impulsionaram a demanda. No terceiro trimestre deste ano e um pouco do quarto, a taxa de crescimento deve mostrar uma taxa negativa ou pequena, porque essa é a previsão do mercado. Fiz o seguinte exercício: supondo que o PIB ficasse estacionado a partir do segundo trimestre deste ano, com crescimento zero, calculei que a alta do PIB seria por volta de 3%. Mas o boletim Focus está prevendo menos. Esse é um sinal de que estão esperando uma taxa negativa nos dois trimestres finais do ano.