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SÃO PAULO (Crédito:Renato S. Cerqueira)

O isolamento social vai aumentar no Brasil. Depois de deixar a população pintar e bordar no verão, fazer aglomerações em bares e lotar o litoral, agora, num esforço desesperado, vários governos tentam baixar medidas de restrição absoluta sem garantia de resultados. Estados e cidades estão intensificando ações restritivas para frear o aumento dos casos de Covid-19 e essas iniciativas incluem desde limitações de circulação em alguns horários, fechamento de comércio e de atividades não essenciais e proibição de acesso a parques e praias. O endurecimento se explica porque o Brasil registra neste momento a maior média diária de mortes pela doença desde o início da pandemia e atingiu a trágica marca de 250 mil mortes. Estados como São Paulo, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Ceará, Paraíba e Piauí anunciaram períodos de lockdown e toques de recolher nos próximos dias. No interior paulista, quatro cidades, incluindo Araraquara, decretaram o fechamento total do comércio e limitaram drasticamente a circulação de pessoas. Em São Paulo, onde os leitos de UTI estão lotados, a partir de sexta-feira 27 e até 14 de março, a população ficará proibida de circular entre 23 horas e 5 horas.

JOÃO PESSOA (Crédito:Josemar Gonçalves)

Sofrimento social

Apesar de bem-vindo, o aumento das restrições divide os especialistas. Para o infectologista Caio Rosenthal, quando um lockdown total é decretado, o sofrimento social é muito grande, “é uma Escolha de Sofia”. “O lockdown sem um planejamento que envolva um plano de vacinação é ineficiente. É preciso ter um plano claro e que passe credibilidade para a população”, afirma. Por razões óbvias, segundo ele, cidades e países pequenos conseguem adotar medidas restritivas com sucesso, mas em uma megalópole com mais de dez milhões de pessoas, como São Paulo, e com diversos municípios satélites isso é quase inviável. “Até onde posso ir? Onde acaba um município e começa outro?”, questiona. “Fazer toque de recolher em um horário em que já não há grande circulação de pessoas é uma gota no oceano. Não dá para ver o efeito”. Segundo ele, “a população está sem confiança e o lockdown acaba perdendo a credibilidade por não ser feito de maneira correta e com planejamento”.

“Nós temos poder de polícia para impor um isolamento mais sério, mas os governantes têm medo político dessa prática” Gonzalo Vecina, médico sanitarista (Crédito:Marco Ankosqui)

Já o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto vê o problema de outra forma e chama atenção para a falta de cautela e de comprometimento da população com o combate à pandemia. O que se vê nas ruas é uma montanha de pessoas sem máscaras e lojas e bares lotados. “Estamos diante de um aumento violento de óbitos, que é uma consequência do aumento de casos, decorrente da circulação de pessoas”, diz. “Enquanto a circulação permanecer alta, o vírus vai continuar se espalhando em uma velocidade muito rápida.” Para ele, o lockdown não deu certo no País até agora porque não foi feito de maneira adequada. Ele espera que as novas medidas tomadas em vários estados brasileiros dêem resultados. “Nós temos o poder de polícia para impor um isolamento mais sério, mas os governantes têm o medo político dessa prática. Tampouco é possível isolar as pessoas sem garantir o sustento delas”, explica. Ele diz que o lockdown em Araraquara e em outras cidades do interior está sendo bem-sucedido.

“Analisando os dados das últimas semanas vemos que a maioria dos internados são pessoas com menos de 50 anos, faixa etária que sai para trabalhar e que também saí para se reunir em festas ou com grupo de amigos”, afirma a médica infectologista da Unicamp, Raquel Stucchi. Para ela, o Brasil não tem condições de fazer um lockdown como na Europa e medidas como o toque de recolher noturno, anunciado agora pelo governo de São Paulo, servem mais como um aviso a população. Segundo ela, é inútil falar para a população não se aglomerar em festas enquanto se vê o transporte público cheio de pessoas. “Como a população vai aceitar que não pode sentar num bar com os amigos, mas pode ficar 40 minutos dentro de um ônibus lotado”, diz. Raquel critica os horários definidos para os toques de recolher em São Paulo, para ela muito permissivos. “Poderia ter começado às 22 hs”, diz. “Acho que o isolamento deve ser pensado para a realidade do Brasil. Não temos como fazer um isolamento como em países como Itália e Espanha. O custo social é muito grande, mas precisamos fazer alguma coisa para controlar essa doença”, conclui.


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