IMPASSE Contrários ao passaporte, trabalhadores protestam
na França (Crédito:Alain Pitton)

O caso da exclusão do tenista sérvio Novak Djokovic do Aberto da Austrália mostra que acabou a paciência de governos, autoridades de saúde e de qualquer cidadão responsável com os negacionistas em geral. Estão na mira as celebridades e os influenciadores antivacina que promovem um discurso criminoso e contraproducente no combate à pandemia. O atleta bem que tentou dar um jeito para permanecer no torneio, um dos mais valorizados do circuito, apelando à Justiça local e tentando comover a opinião pública com os dias em que ficou encarcerado em um hotel. Mas depois de ser flagrado em várias mentiras acabou expulso do país por uma ordem ministerial. Foi uma punição exemplar, que ameaça inclusive sua presença no próximo torneio de Roland Garros, na França, e aumentou o número de manchas na sua trajetória cheia de episódios recentes de menosprezo à doença, como a realização de campeonatos irregulares e festinhas de embalo em plena quarentena. Caras como Djokovic estão definitivamente em baixa, apesar de algum talento específico.

Num momento em que há uma explosão de casos de Covid em todo o mundo, incerteza generalizada e vários países retomam medidas restritivas ou adiam a volta à normalidade, além de aumentar as exigências do passaporte e impor a vacinação, há gente tentando burlar medidas de controle e enganar os órgãos de saúde com finalidades profissionais. Djokovic, número 1 do mundo, foi penalizado com o devido rigor, atingido no seu trabalho e no seu prazer de jogar tênis e ganhar torneios. E sua experiência está longe de ser única ou exclusiva. Outros personagens do mundo do poder estão sendo afetados no bolso, na autoestima e perdendo posições de prestígio, além da credibilidade, por causa de seu negacionismo ou desvio de conduta. O ex-presidente da seguradora Credit Suisse Antonio Horta-Osorio sofreu na pele o peso da irresponsabilidade pandêmica. Ele foi demitido porque violou as regras de quarentena duas vezes no ano passado. Sem moral, deixou o posto. Na parte baixa da pirâmide, funcionários públicos franceses que não se vacinaram estão sendo suspensos e tiveram descontos de salários. Na Itália, trabalhadores maiores de 50 anos estão sofrendo as mesmas penalidades. A Áustria se tornou o primeiro país europeu a tornar a vacina obrigatória. A partir de fevereiro, os maiores de 14 anos que não se vacinarem estarão sujeitos a multas de até 3 600 euros (R$ 23 mil). São todos duros golpes nos negacionistas.

REPRESSÃO Negocionistas austríacos são contidos em protesto antivacina (Crédito:Leonhard Foeger)

A transmissibilidade da variante Ômicron levou a um recorde histórico de registros de Covid-19 nesta semana, atingindo a marca de 3,79 milhões de casos em um só dia em todo o mundo. O Brasil, com 200 mil infectados, também alcançou o maior número de contágios, com enorme pressão sobre seus serviços de saúde e retorno às funções remotas. A barreira criada pela vacinação em massa, porém, tem reduzido as infecções mais graves e mostrado o caminho certo, pavimentando um futuro com foco nas campanhas anuais de imunização. Na Áustria, país com 9 milhões de habitantes, a preocupação é evitar os restrições de circulação no próximo inverno. A vacina entrou na equação econômica da nova economia como uma enorme derrubadora do risco sistêmico. “Ainda temos a obrigação e a necessidade de aumentar a cobertura vacinal para que não passemos de um lockdown para outro também no ano que vem”, disse a ministra austríaca de Assuntos Constitucionais, Karoline Edtstadler. “Há bem mais de um milhão de austríacos que não estão vacinados. Queremos convencê-los a se vacinarem e queremos que demonstrem solidariedade com todos para que possamos retomar nossa liberdade.” A chegada do inverno na Europa também aumenta a incidência de infecções respiratórias de um modo geral, o que afeta principalmente a população idosa e pessoas com comorbidades, mais suscetíveis aos efeitos severos da Covid.

O movimento antivacina se tornou raivoso em vários países, chegando ao ponto de promover manifestações violentas. A repressão policial tem sido necessária em países como a Holanda e a própria Áustria, onde os radicais alegam que a opção de se vacinar é um direito individual e rejeitam qualquer tentativa de aplicar novos lockdowns. É a mesma conversa de Djokovic, que foi pego pelos sistemas australianos de controle sanitário e tratado como qualquer outra pessoa que precisa seguir regras adequadas de comportamento. Nas fronteiras e aeroportos, a fiscalização tem sido rigorosa na cobrança de atestados de vacinação e testes, criando entraves para as viagens internacionais dos negacionistas. Para tentar livrar sua cara e mostrar que não é só um cético empedernido, o tenista sérvio deixou vazar a informação de que é cofundador e sócio majoritário de uma empresa dinamarquesa chamada QuantBioRes, que tenta desenvolver um remédio contra a Covid. Para os radicais anticiência, remédios são a solução e não as vacinas, que envolvem um sentido colaborativo e a necessidade de proteção mútua no atual ciclo pandêmico.

MALUQUICE O gênio da guitarra Eric Clapton engrossa o coro antivacina (Crédito:Fred Thornhil)

Entre as grandes decepções causadas por celebridades na pandemia, tão notável como a de Djokovic, só a do guitarrista inglês Eric Clapton, tratado até pouco tempo como um semideus e convertido no ano passado em irresponsável global. Seu comportamento durante a crise humanitária tem sido inadequado e ele inclusive declarou que se recusará a fazer shows em locais que exijam o passaporte da vacina. Chamado de maluco por seus pares no rock, como Brian May, membro do Queen, ele tem compartilhado diversas opiniões antivacina nos últimos dois anos e, inclusive, composto músicas anti-lockdown com seu colega Van Morrison. O monstro da guitarra também se move pela ignorância, denunciando, sem comprovação científica, efeitos colaterais de longo prazo associados aos imunizantes. O que está se cobrando neste momento é um compromisso público de astros que influenciam milhões de pessoas com seus exemplos para, pelo menos, não falarem bobagens. Diante das evidências acachapantes da eficácia das vacinas, não é mais o caso de uma minoria negacionista ditar o ritmo da infecção e nem de ídolos de barro propagarem mentiras.

Ômicron tumultua rotinas

Diversas empresas e trabalhadores estão tentando voltar às suas atividades profissionais de forma presencial. Ocorre, porém, que o surgimento e o avanço da variante Ômicron, muito mais contagiosa que a Delta, está deixando muita gente doente. Os pedidos de afastamento estão se multiplicando e impedindo a volta das velhas rotinas. O fato causa confusão nas as organizações, que estão adiando seus planos. Na capital paulista a crise chegou a um momento crítico. Médicos que trabalham na rede municipal entraram em greve para protestar contra a falta de profissionais, afastados devido a infecções respiratórias. São mais de três mil funcionários da saúde que não podem exercer suas funções. No Rio de Janeiro, uma das atividades laborais mais importantes, a de limpeza da cidade, está comprometida. Pelo menos mil garis contraíram o vírus e estão sendo obrigados a ficarem em casa. (Fernando Lavieri)