02/02/2019 - 11:37
Uma canetada jurídica do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Antônio Dias Toffoli, demoliu na madrugada deste sábado 2 o desejo de maior transparência e publicidade expresso um dia antes pela maioria dos senadores em seu primeiro dia após a posse. Ao agir assim, Dias Toffoli reescreve o regimento interno do STF e as leis 8437/92 e 12.016/09. Apenas o presidente, o procurador-geral ou pessoa jurídica de direito público podem pedir a chamada “suspensão de segurança”. Acontece que partido político é pessoa jurídica de direito privado. Daí a aberração da decisão. Na calada da noite, foi arquitetado uma espécie de conluio do atraso.
A confiança nas instituições, no Estado e nos seus Poderes é determinante para o progresso de uma nação. Por isso, quando um dos poderes mostra-se hipertrofiado, há um desequilíbrio, e acontecem as injustificáveis interferências. A nefasta judicialização da política não é nova, mas ela ressurge com toda a força agora para beneficiar práticas velhas e carcomidas, baseadas no fisiologismo e no toma lá, dá cá, que as urnas imaginaram ter sepultado. Quem as encarna é Renan Calheiros, que na madrugada ofereceu nada menos do que 300 cargos para aqueles que o ajudassem com o seu projeto de regressar ao comando do Congresso. Um jogo pérfido e sujo de tão baixo. O norte-americano James Madison, um dos pais do presidencialismo, acreditava que Executivo e Judiciário deveriam basear suas relações em freios e contrapesos, conhecidos como “checks and balances”, justamente para evitar a ambição desmedida de qualquer um deles. O que vemos hoje, no entanto, é exatamente o inverso. O Judiciário insiste em desbragadamente invadir as competências do Executivo e Legislativo, arvorando-se de um Poder superior, que não é. Renan agradece.
Por 50 votos a apenas 2, os senadores haviam decidido na tarde de sexta-feira 1 que o processo para a eleição do novo presidente do Senado seriam com voto aberto, público. A decisão fora tomada após questão de ordem do senador Lasier Martins (PSD-RS), questionando a votação secreta, sob a alegação de que ela contrariava o princípio da publicidade, expresso na Constituição. A questão de ordem de Lasier era apoiada pela assinatura de outros 48 senadores. A maioria do Senado é de 41 parlamentares.
O argumento de Lasier baseia-se no fato de que os senadores são representantes da sociedade. As decisões que tomam no Congresso não deveriam jamais ser pessoais, mas sempre baseadas no respeito que devem aos seus eleitores. Assim, os eleitores precisam estar informados sobre todas as suas ações. Nesse sentido, não pode caber no caso do Poder Legislativo a ideia de que possam, como parlamentares, decidir algo secretamente. No caso, a votação secreta beneficia diretamente o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Um dos sobreviventes da chamada velha política varrida pelo desejo de renovação expresso pela sociedade nas eleições do ano passado, Renan parecia ter uma maioria velada no Senado, que se dissiparia, porém, caso a votação fosse aberta. Secretamente, tinha os votos. Abertamente, os senadores recuariam.
Na sexta-feira 1, o debate em torno da questão ganhou contornos de espetáculo circense. Único remanescente da antiga Mesa Diretora do Senado, o senador David Alcolumbre (DEM-AM) aboletou-se pela manhã para presidir a sessão. Ocorre, porém, que Alcolumbre também era candidato à Presidência, e, em tese, seria beneficiário do voto aberto. Uma série de eventos desencadeou-se para tentar demover Alcolumbre do comando. Primeiro, o ex-secretário geral da Mesa Luís Fernando Bandeira de Mello deu parecer contrário à condução por Alcolumbre, indicando que a sessão deveria ser presidida pelo senador mais velho, José Maranhão (MDB-PB). Alcolumbre, então, exonerou Bandeira. Mais tarde, deu parecer à questão de ordem de Lasier na linha do que o Senado já decidira quando tornou aberta a votação que cassou o mandato do ex-senador Delcídio do Amaral (PT-MS), preso na Lava Jato. O processo seguiu nos moldes do que ocorreu no caso de Delcídio.
Quando houve a votação, porém, os aliados de Renan começaram um pandemônio no plenário. Alegavam que Alcolumbre, por ser candidato, não podia presidir a sessão. A senadora Kátia Abreu (PDT-TO) chegou a roubar das mãos de Alcolumbre uma pasta que continha os pareceres técnicos dos seus assessores para a tomada das suas decisões. Instalou-se um impasse que durou várias horas. Após uma tentativa de acordo, Alcolumbre suspendeu a sessão para que ela fosse reiniciada na manhã de sábado.
À meia-noite, o MDB entrou com representação para anular a votação que instituíra o voto aberto. E obteve de Toffoli, ex-advogado do PT, partido que apoia a eleição de Renan, o aval para a sua manobra. Pela decisão tomada por Toffoli, a votação, que estava marcada para as 11h, mas ainda não começou, será secreta. Neste momento, o impasse, porém, continua. Senadores defendem que simplesmente se ignore a decisão de Toffoli, o que poderá abrir uma crise sem precedentes entre os Poderes. Em menos de 48, ruiu a nova política.